pastor no Rio de Janeiro
Imagens: http://www.stat.osu.edu/
Há uma música muito cantada no Brasil moderno cuja letra tem um trecho que diz “meus heróis morreram de overdose”. Precisamos respeitar opiniões diferentes – por vezes divergentes – das nossas, mas precisamos também falar do que cremos e pensamos. As nossas palavras geralmente vão além de nossas máscaras, pois elas costumam deixar escapar o que realmente pensamos e cremos.
Quando somos crianças sonhamos com os heróis. Brincamos de heróis, geralmente escolhidos nas histórias em quadrinhos ou nos desenhos animados na televisão. São heróis fantásticos, com super poderes, quase indestrutíveis, agentes do bem acima de qualquer oposição possível. E, quando muito feridos, ou até mortos, nossa esperança se lança ao episódio seguinte, pois certamente algo além de nosso conhecimento terá acontecido e, ei-lo, nosso herói voltou à saúde, ao vigor e à vida. Pena não ser assim na vida real. Sabemos que não há pessoas superdotadas nesse sentido.
Quando crescemos um pouco mais, descobrimos que não está tudo perdido. Há uma estirpe de heróis composta de gente comum, como eu e você, que faz alguma coisa acima da média de nossas ações e, naturalmente, se transforma em herói para gerações inteiras, para a posteridade, para sua etnia e nação ou, até, para a humanidade em geral. Esse herói de nossos sonhas descobertas menos infantis é mais ou menos o que o Dicionário Aurélio (versão eletrônica) diz ser um “Homem extraordinário por seus feitos guerreiros, seu valor ou sua magnanimidade.” A História da humanidade traz vários desses exemplos, os quais servem para a testificação que, em meio a tanta maldade e desamor, há pessoas que se destacam por sua lealdade à existência humana.
Com o passar dos tempos, no entanto, um novo conceito se estratificou no seio das opiniões. É claro que penso agora em termos de pós-modernidade em que há um claro processo de relativização em que o bom pode ser classificado de ruim e vice-versa. O mesmo dicionário apresenta uma outra possibilidade, por extensão, que seria “Pessoa que por qualquer motivo é centro de atenções.” Os heróis desta geração podem estar se transformando exatamente nisso: pessoas que, por qualquer motivo, sejam o alvo central das atenções. Quaisquer que sejam as motivações, as práticas, as ações, os pressupostos, os temas, as angústias, o caráter, as respostas, os vícios, as deformidades, as razões do íntimo, as influências, os desmandos, etc e etc, poderão fazer de alguém, contanto que esteja no centro das atenções, num herói. Partindo dessa idéia tão fragmentada em si mesma, pergunto: onde estão os heróis sobre os quais pensávamos e com os quais sonhávamos em outros tempos? A resposta pode ser singela demais, mas creio que pode ter algum sentido: os super heróis, sabemos agora que crescemos, não existem, mas apenas povoaram o nosso imaginário infantil; os heróis reais da humanidade continuam existindo e sempre existirão, mas estão fora de moda para crianças e adultos de hoje, pois o espaço para atos de real valor diminuiu assustadoramente; os novos heróis, que corrompem, matam, geram males, viciam a si e estimulam o mesmo nos outros, estão nos reality shows, aparecem por 15 minutos na TV, morrem de tolices múltiplas oferecidas pela sociedade, esses continuam aumentando a sua popularidade em nossa dita pós-modernidade. Estes são exatamente os que, por qualquer motivo, se tornaram o alvo das atenções, mesmo que os motivos sejam os mais nefastos.
Para mim, cristão que sou, o herói segue parecido com a primeira definição do dicionário, mas preciso acrescentar algo, alguns elementos que o aproximem de pressupostos mais cristãos do termo. Mas, então, quais poderiam ser os meus heróis? Eu creio que pelo menos algumas coisas eles poderiam apresentar para justificar esse qualificativo tão importante: um herói deve ser valente (o que não quer dizer nem violento e nem belicoso), deve falar bem, deve ter boa aparência e deve ter Deus consigo. Há muitos heróis que reúnem essas qualidades, alguns deles listados na Bíblia, outros, não.
Há um interessante trecho nas Escrituras, no Primeiro Livro de Samuel, capítulo 16, em que um herói em declínio (sim, heróis podem ser passageiros e podem deixar de sê-lo...), de nome Saul, estava num estado próximo a uma profunda depressão. Aliás, pelo que lemos no texto, ia além de uma depressão, chegando a ser qualificado como uma perturbação espiritual profunda. Tudo começa quando diz o texto que “o Espírito do SENHOR se retirou de Saul, e um espírito maligno, vindo da parte do SENHOR, o atormentava” (verso 14). Entendemos por isso que Deus permitiu tal situação pelas razões descritas anteriormente no próprio texto, o que valerá uma leitura interessante para quem quiser saber mais da história.
Os oficiais de Saul, que era rei na ocasião, sugeriram que ele procurasse um musicista que lhe tocasse harpa e, assim, ele teria momentos de mais calma em seus surtos. Ao serem indagados sobre conhecerem alguém com o perfil adequado, um dos oficias sugeriu em resposta: “Conheço um filho de Jessé, de Belém, que sabe tocar harpa. É um guerreiro valente, sabe falar bem, tem boa aparência e o SENHOR está com ele” (verso 18). Davi foi um verdadeiro herói do texto bíblico. Creio ser um paradigma a ser seguido quando quisermos identificar nossos verdadeiros heróis, aqueles que servirão para dirigir nossas esperanças e povoar nossos sonhos. Heróis surgem da necessidade da História. Eles não se apresentam para a heroicidade histórica. A História os torna heróis.
Guerreiros podem ser heróis, mas poucos guerreiros o foram de fato. Admiramos Alexandre, o Grande. Herói? Não, apenas um dos maiores estrategistas militares de todos os tempos. Qual o legado, fora sangue e destruição, que ele nos deixou? Os hunos foram heróis? Não. Mas foram guerreiros destemidos. O que dizer de Hitler? Se guerreiros e comandantes de renome forem sempre heróis, ele deverá ser incluído na lista... Mas, embora tenha sido um indiscutível líder de massas e um estrategista militar, Hitler é o avesso do herói. Mas todo herói é valente. E valentia não se traduz necessariamente em guerras e movimentos de tomada ou resistência militar. Ser valente, muitas vezes, é apenas falar quando não se pode falar, ou silenciar quando se exige a palavra da contenda. Isso me lembra dois dos meus heróis, dois Luteros: Martin Luther; o outro, Martin Luther King. Porque chamamos o primeiro de Martinho Lutero e o segundo de Martin Luther, sendo homônimos, ainda não sei... Davi era valente. Não o era apenas por si próprio, mas o era na força e na coragem do Senhor. Isso fez dele alguém especial e de valentia notada por todos que o cercavam. Foi soldado, é verdade, mas foi poeta, musicista, compositor. Foi homem de viver perto de Deus. E isso exige de nós a valentia necessária para enfrentar as oposições do mundo a fim de ficarmos ao lado de Deus.
Nem todo bom orador é um herói. Muitos dos políticos mundo afora que o digam. Heróis? Não, nem sempre. A boa oratória pode ser menos meritória do que deveria se mal empregada. Ela pode servir para engodo das massas e não para guiá-las em segurança. Nisso, infelizmente, muitos de nossos líderes cristãos estão se especializando. Através da fé pode-se, sendo bom orador, falando bem, levar multidões às mais profundas aberrações humanas, sociais e teológicas. Não, falar bem nem sempre faz de alguém um herói. Mas todo herói fala bem. Ele fala bem porque fala com dignidade, com ética, com parcimônia, com lealdade. E, acima de tudo, o verdadeiro herói, o bíblico, fala das coisas de Deus. Isso me faz lembrar o apóstolo Paulo e Abraham Kuyper, também meus heróis, que falaram do que lhes preenchia o coração. A política foi sacudida, a sociedade precisou ouvir o que eles disseram em seu tempo - e depois dele -, pois suas palavras ecoavam nas mentes. Falar a tempo e fora dele, mas falar das coisas certas, de Deus, de suas maravilhas e de seus feitos. Todo herói fala e, quando isso ocorre, todos precisam ouvir sua voz.
Interessante dizer, mas o herói tem boa aparência. Não me refiro às grifes dos desfiles, mas refiro-me ao se vestir de modo adequado. Não me refiro a roupas apenas, mas a princípios com os quais devemos nos apresentar sempre. O herói, aquele de nossa infância, trazia capas e máscaras para proteger sua identidade secreta. Os heróis de verdade são desnudados de secretos, já que eles se vestem de humanidade acima de tudo. Apresentar-se bem pode representar a esperança do não estar nu, do não estar exposto, do não estar descuidado ou desarmado diante das circunstâncias. Um herói, como Davi o era, veste-se bem, apresenta-se adequadamente ao seu propósito.
Finalmente, de acordo com o texto em destaque, é fundamental que um herói de verdade tenha sua essência plena do próprio Deus. Não há como ser verdadeiro herói no sentido cristão sem estar pleno da presença de Deus em seu interior. Como isso pode se dar? Pelo encontro de um Deus maravilhoso com pessoas como nós, mas que, por conta de um projeto especial de Deus, são pinçadas para atuarem de modo maravilhoso. Como alguém que tem Deus consigo todo o tempo poderá perder as lutas em que se vê envolvido? O Senhor está com quem é vencedor, mesmo que a vitória em questão não seja a mesma apregoada por tantos outros que gostariam de ver a vida ser estabelecida e vivida de maneiras diferentes.
Por essas e outras é que posso hoje dizer que meus heróis não morreram. Eles estão vivos. Descobriram a questão fundamental, de que morrer, estando em Cristo, é lucro. Descobriram que lutar pela causa do Mestre é vantagem. Descobriram que amar o próximo faz diferença. Descobriram que a matéria fala menos que o espírito. Descobriram que após esta vida há vida melhor e mais abundante, sem lágrimas ou lutas. A lista dos heróis da fé é muito grande. Começando com os mais antigos, muitos dos quais relacionados no livro de Hebreus, avançamos até os nossos dias. Sempre haverá heróis.
Meus heróis não morreram nem de overdose, nem de ideologias aterradoras. Eles não foram mortos nem martirizados: eles se entregaram por amor a uma causa maior, eles deram a sua vida por algo em que realmente estavam seguros. Eles se deram para que nós vivêssemos melhor hoje. O cristianismo tem a sua história pavimentada em muito sangue, de ontem e de hoje e, creio, está na hora de nos lembrarmos disso quando vivemos nossa espiritualidade tão esvaziada de sentido. De todos, um foi perfeito e sua morte foi substitutiva, ou seja, por mais que muitos outros heróis tenham existido, nenhum deles será capaz de fazer o que só ele fez: esse herói perfeito é Jesus Cristo.
Não, meus heróis não foram os grandes guerreiros, os eloqüentes mandatários, nem os milionários que desfilam pelas revistas especializadas, cada vez com um carro e uma família novos. Meus heróis são simples e comuns. Meus heróis são gente que chora e erra, mas gente comprometida com Cristo e seu reino. Esses são meus heróis. Não cobertos de ideologias, mas cobertos do Espírito de Deus. Muitos deles eram doutores, como Agostinho de Hipona, ou mesmo Zwinglio e Lutero. C.S. Lewis, os huguenotes que vieram ao Brasil nos tempos de Villegaignon e aqui foram mortos, Henry Nowen, isso sem mencionar tanta gente preciosa e gente mencionada nas Escrituras. São meus heróis. Todos vivos. Em nossas mentes e em seus atos preciosos.
Como a palavra de Deus nos diz, o reino de Deus é das crianças. Precisamos voltar a ser crianças, sonhar como crianças e desejar os heróis como crianças. Só precisamos entender que nossos heróis são diferentes, são pacíficos, embora firmes. São verdadeiros, mesmo diante da morte. São feitos capazes, sendo fracos e incapacitados naturalmente. Como nos diz a Bíblia, não somos deste mundo, mas somos peregrinos por aqui: nossos heróis tampouco são daqui, são da mesma terra a que pertencemos. Que Deus suscite novos heróis para estes tempos difíceis de seu povo.
Que texto lúcido e aterrador.
ResponderExcluirQuando nos deparamos com uma sociedade que faz e desfaz heróis diariamente, que fabrica vilões e suscita salvadores da pátria, ao mesmo tempo, lembramos daqueles que a História de suas vidas deixaram marcas.
Heróis incontestáveis, que lutaram pela causa mais justa que se pode lutar: A PALAVRA DA VERDADE.
Obrigado, mais uma vez pela reflexão.
Um abraço,
Tico.