quarta-feira, 6 de maio de 2009

ESPIRITUALIDADE DA BOCA PARA FORA

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Imagens: http://www.flickr.com

Temos vivido uma estranha alteração, em que vemos a migração das questões de nossa espiritualidade de dentro para fora. Em outros termos, deixando de ser vivências de espiritualidade e tornando-se apenas estéticas de espiritualidade.

Isso não é fenômeno exclusivo dos cristãos. Aliás, sofremos influência constante em áreas nas quais a Igreja deveria influenciar e, jamais, ser influenciada. Sociológica, histórica e antropologicamente falando, o homem ocidental sofreu intensa transformação desde meados do século XIX, principalmente a partir dos eventos da crise do Liberalismo na Europa e suas conseqüentes amostragens mundo afora.

Lembro-me daquele verso bíblico que se encontra no Salmo 119.11: “Guardei no coração a tua palavra para não pecar contra ti.” Ora, sabemos que o coração, na linguagem bíblica, nos remeta às emoções, à interioridade, nunca à exterioridade de nossas vidas. Então, juntando esse verso a tantos outros, entendemos que Deus nos quer pelo que somos por dentro, nunca pelo que apresentamos por fora. Até porque isso apenas mostraria uma estética que pode enganar nossos co-irmãos humanos. Mas, como sabemos, jamais enganaríamos a Deus.

A espiritualidade estética tem seus apelos, e isso é inquestionável. É mais fácil parecer que ser. É mais rápido aparentar que se transformar. Por isso, e por uma série de confusões doutrinário-interpretativas, a turma de “bíblias” que perambula pelo Brasil tem demonstrado intensa capacidade de fingir que é o que não é. Fingimos ser cristãos. Fingimos ser santos. Fingimos ter revelações. Fingimos pregar. Fingimos ouvir. Fingimos ter vida com Deus. Fingimos, fingimos e fingimos.

Viver uma vida de busca a Deus já é coisa mais difícil. Exige exatamente o que ninguém mais quer fazer em dias como os nossos. Exige tempo com Deus. Exige ouvir exortações. Exige silenciar. Exige buscar respostas na Palavra (o que nem sempre é rápido). Exige paciência. Exige perseverança. Exige mais e mais coisas que a vida moderna relega como indesejáveis.

Li no Jornal do Brasil de ontem, dia 05 de maio de 2009, uma notícia que é pelo menos ilustradora disso (http://jbonline.terra.com.br/leiajb/noticias/2009/05/05/rio/tatuagem_denuncia_criminoso.asp). Na matéria, há um parágrafo emblemático: “Em vez de ajudá-lo a seguir o caminho dos justos, a abertura do Salmo 23 da Bíblia levou o ex-foragido Cristiano Moreira dos Santos, 22, de volta para a cadeia. Foi por uma tatuagem com a frase ‘o Senhor é meu pastor, nada me faltará’, em seu braço esquerdo, que testemunhas o reconheceram como o assassino do passageiro de um ônibus que se recusou a entregar uma bolsa durante um assalto em dezembro passado.”

E a matéria segue com alguns detalhes, dando conta de que o aprisionado teria feito disparo à queima roupa na cabeça de um rapaz de apenas 23 anos, o qual se recusava a largar seus pertences durante o assalto a um ônibus. E ficaram, ele e seu parceiro de crimes, por mais cerca de cinco minutos no interior do ônibus fazendo o resto de seu “trabalho”.

Aliás, algum tempo atrás li matéria na mídia evangélica, que mostrava os fiéis de uma determinada denominação orgulhosos ao mostrarem suas tatuagens. Muitos usavam trechos bíblicos. Outros tantos usavam o expediente para demonstrar seu apreço pela igreja e pelo casal de líderes fundadores da comunidade.

Cristiano. Esse é o nome. Quem sabe alguém que quis honrar em seu filho a lembrança de Cristo. Cristiano é nome de origem espanhola e quer dizer “cristão”. Ironia adicional, o criminoso ostentava orgulhosamente seu painel tatuado no braço com parte do Salmo 23 à mostra.

Volto às afirmativas anteriores. O que esse episódio nos mostra, guardadas as proporções, é exatamente o mesmo que em outras áreas. Para ele, talvez, a inscrição no braço representasse a segurança em tempos de violência. Para muitos outros, as tatuagens são trocadas por bíblias abertas no Salmo 91, por copos d’água, por correntes sem fim, por apelos de continuidade sem reflexão, por campanhas infindas, por simbolismos sem propósito, por repetição cênico-religiosa de eventos históricos (apenas) do texto bíblico, pelo uso ostensivo de um terno, pela ida religiosa (apenas) à igreja aos domingos, pelo trabalhar por trabalhar na igreja, pelos aplausos recebidos sob a égide de humildes recusas, etc e etc.

Esse rapaz só levou às últimas conseqüências o que é sabidamente normal. Espiritualidade da boca para fora gera morte. E o primeiro a morrer é exatamente o que age dessa maneira. Sabemos que muitos dos internos no sistema penal brasileiro têm origem em famílias evangélicas. Mas, pergunto-me, qual terá sido o conhecimento de Deus adquirido por essas pessoas em sua formação? De que Deus será que tentaram se aproximar? Qual foi o Cristo de que ouviram falar? Esse Deus era o mesmo da Bíblia? Esse Jesus era uma espécie de ídolo apenas com o mesmo nome do Jesus da Bíblia?

A primeira parte de Oséias 4.6 diz “Meu povo foi destruído por falta de conhecimento.” Conhecimento não é tatuagem, nem nada exterior. Esse conhecimento é interior, faz parte de nossa particularidade e de nossa íntima experiência com Deus. Se não acorrermos às águas frescas que vêm de Deus, morreremos. E mataremos. E teremos decepções. Mas tudo, claro, com imensas tatuagens em nossa pele.

Precisamos voltar à busca de um profundo conhecimento de Deus. Um conhecimento interior, desprovido de esoterismos e influências não cristãs. Precisamos voltar e voltar. Precisamos retornar aos marcos colocados pelos antigos, os quais jamais poderíamos ter removido (veja Provérbios 22.28). E vamos voltara guardar a Palavra de Deus em nosso coração, para pararmos de pecar contra Ele.

Que Deus guarde todos vocês.

Nenhum comentário:

Postar um comentário