Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Fotos: http://www.flickr.com
Pai pode ser aquele que passa a vida a nos sustentar, aconselhar e, muitas vezes, nos suportar. Mas, para alguns, parece que chega um dia em que isso simplesmente é esquecido.
Oscar Wilde foi um autor irlandês que viveu entre 1854 e 1900. Teve vida conturbada e infeliz. Nasceu em lar protestante, teve educação esmerada, fundou um movimento chamado Esteticismo (em resumo, dizia que o belo seria o antídoto contra as mazelas da sociedade industrial que se firmava), tornou-se célebre pensador, autor e, principalmente, dramaturgo. Foi autor de apenas um romance, mas de grande sucesso, “O retrato de Dorian Gray”. Casado com Constance, da alta sociedade de Dublin, foi pai de Cyril e Vyvyan, para os quais chegou a escrever obras de dramaturgia.
Mas a partir de 1895 entra em profundos e sérios problemas, os quais o acompanhariam até à morte. Nunca mais recuperaria os seus anos de glória e prestígio. Acusado e condenado por suas práticas homossexuais, constavam das acusações a prática do obsceno e da sodomia com diversos rapazes. Dois anos depois sai da prisão. Enfermo e sem prestígio, deixa-se levar até ao fim de seus dias. Wilde estabeleceu obra ampla em gêneros, tendo escrito novelas, poemas, contos infantis, romance e teatro.
Oscar Wilde deixou o seguinte pensamento sobre pais: “No início, os filhos amam os pais. Depois de um certo tempo, passam a julgá- los. Raramente ou quase nunca os perdoam”.
Não fica claro para nós se ele fala de seu pai ou da relação universal entre pais e filhos. Mas é certo que em todas as reflexões que tecemos a nossa experiência de mundo como indivíduos vem à tona.
Sendo essa a posição dele em relação ao seu pai, resta-nos pensar quão difíceis terão sido os momentos relacionais entre ambos. Provavelmente seu pai nunca o perdoou, por nunca, talvez, haver aceitado suas posições, principalmente para fins de século XIX. Digo talvez por não conhecer relatos sobre a relação de ambos, o que me deixa, infelizmente, sem bases melhores de posicionamento sobre a questão. Mas, é bom lembrar, a sua obra foi abundante e coloca-se como uma das preciosidades da cultura Ocidental.
Mudando um pouco, lembro-me de uma colocação feita por um outro grande vulto do pensamento Ocidental, Bertrand Russell, quando ele diz de maneira muito clara, colocando-se como resposta possível a Wilde (ou ao pai dele): “Os nossos pais amam-nos porque somos seus filhos, é um fato inalterável. Nos momentos de sucesso, isso pode parecer irrelevante, mas nas ocasiões de fracasso, oferecem um consolo e uma segurança que não se encontram em qualquer outro lugar”.
Bertrand Russell também era britânico, mas da Inglaterra. Sua longa vida foi entre 1872 e 1970. Destaca-se como um dos maiores filósofos, matemáticos e lógicos de nossa História, tendo produzido em quase todo o século XX. Foi, inclusive, prêmio Nobel de Literatura em 1950, principalmente pela sua defesa à liberdade de pensamento. Seus pais eram membros da mais destacada estirpe da aristocracia londrina. Diferentemente de Wilde, Russell era filho de um ateísta que se resignou com o romance de sua mulher com o tutor dos filhos.
Sua vida foi pautada sobre casamentos desfeitos, filhos diversos, prisão por se negar a combater na I Guerra Mundial, nomeações públicas anuladas por sua aberta oposição ao cristianismo (mesmo tentando vaga como docente numa instituição cristã americana). Bertrand Russell foi um típico habitante do Ocidente pós-crise do Liberalismo de meados do século XIX, o que costumamos pensar como sendo o Fin-de-Siècle que assolou o mundo Ocidental e continua a fazê-lo até hoje. Fragmentado em suas relações éticas, deixa-nos uma série de arrazoamentos que ele mesmo denominou de código de conduta. Também aí foi anticristão, pois suas posições relativizantes não nos permitem ver nelas nenhum ponto da cosmovisão cristã. Também aqui é bom lembrar: a sua obra é vasta e importantíssima para a cultura Ocidental.
Gostaria de pensar um pouco sobre ambas as afirmativas desses grandes vultos. Parece que não se encaixam entre si, dadas as características tão adversas em que são postas no papel. Ao que tudo indica a relação entre os filhos Wilde e Russell não foram lá grandes coisas. Não sei qual a idade de Wilde quando seu pai morreu, mas Russell tinha apenas quatro anos. A posição de seu pai em relação ao adultério de sua mãe pode ter influenciado seu parecer sobre ele. Quanto ao primeiro, talvez a posição ética e religiosa o tenha afastado. Mas parece-me interessante que as frases de ambos indicam posições tão diferentes, opostas quase.
Wilde vai do amor ao julgamento e, deste, ao não-perdão. Isso transparece desamor e sentimentos enterrados no mais profundo da alma. Tudo isso, provavelmente, por ter tido sua vida e seus atos de filho julgados pelo pai. Podemos julgar e não perdoar por sermos advertidos ou julgados? A relatividade dos pressupostos, ou a ausência dos mesmos se manifesta claramente em episódios assim, nos quais as medidas e os pesos são relativizados em função da balança onde são postos. Será o julgamento de um pai sobre os atos de seu filho um desamor ou um ato de amor orientador? Mas terá sido a sua forma adequada? Perguntas que são de difícil resposta...
Já Russell nos fala de outra relação, aquela em que o amor do pai nem sempre é notada. Sabemos que está lá, mas não damos muita atenção até que soframos algum revés circunstancial e precisemos provar (nem sempre apenas ouvir) as ações amorosas de nossos pais. E ele coloca esse amor como sendo algo ímpar. De que pai falaria Russell? Do seu, morto quando ainda era ele uma criança? De si mesmo em relação aos seus filhos, externando aqui a sua visão da paternidade a partir de seus próprios sentimentos? Da relação universal entre pais e filhos? Tampouco aqui é fácil saber...
Mas, por mais que amemos nossos filhos, seremos sempre pais imperfeitos. No entanto, viro-me agora para os escritos que o único pai perfeito deixou aos seus muitos filhos. Ele nos deixou uma série de alusões a si mesmo como sendo pai. Não um pai qualquer, mas um pai que ama incondicionalmente, um pai que dá seu mais precioso bem por nós, um pai que se torna acessível a nós para que nós cresçamos nele. Gentil, amável e cheio de compreensão. Em seus textos, ele nos dá uma série de sugestões que teriam feito muito bem a Wilde e a Russell que, estou certo, conheceram bem o seu conteúdo, mas aparentemente não seguiram nem os conselhos nem suas sugestões de paz relacional entre pais e filhos.
Primeiramente alguns conselhos para os pais:
“Pais, não irritem seus filhos, para que eles não desanimem” (Colossenses 3.21) e “Pais, não irritem seus filhos; antes criem-nos segundo a instrução e o conselho do Senhor” (Efésios 6.4). Por duas vezes o Pai, o Deus cristão, nos fala - a nós, pais: “não irritem seus filhos”. Ele o faz por pelo menos uma razão: “para que eles não desanimem” e também dá pelo menos uma boa forma de evitar esse desânimo: criar nossos filhos “segundo a instrução e o conselho do Senhor”, que é o próprio Deus. Infelizmente estar numa comunidade cristã não nos torna mais aptos a determinadas coisas até que as enxerguemos devidamente e peçamos a Deus que nos ajude nessas áreas. Isso digo referindo-me ao pai cristão de Wilde e, por tabela da cultura londrina, possivelmente também ao de Russell. Mas, deixando de apontar o dedo para os outros, os da História, será que podemos nos olhar no espelho enquanto lemos esses pequenos trechos das Escrituras? Quais teriam sido as relações dos pensadores citados com seus pais se estes, quem sabe, não os tivessem irritado, nestas nossas suposições e pensamentos, mas, antes, os tivessem instruído e orientado segundo os pensamentos do Senhor? De certa forma a colocação de Russell se aproxima da máxima divina. Deus nos ama por sermos seus filhos e ponto final. Ele ama a todos com seu amor amplo e gracioso, que nos dá a sobrevida e a continuidade de nosso respirar. Mas é inegável que o amor por seus filhos é de particular cuidado.
Em seguida, alguns conselhos para os filhos:
“Filhos, obedeçam a seus pais em tudo, pois isso agrada ao Senhor” (Colossenses 3.20) e “Filhos, obedeçam a seus pais no Senhor, pois isso é justo. ‘Honra teu pai e tua mãe’ - este é o primeiro mandamento com promessa - ‘para que tudo te corra bem e tenhas longa vida sobre a terra’” (Efésios 6.1-3). Também aqui por duas vezes o conselho “obedeçam a seus pais”. Razões? “Isso agrada ao Senhor” e “isso é justo”. E as conseqüências imediatas, quais seriam? Ter tudo correndo bem em sua vida e ter uma esperança de longevidade, ou seja, vida longa. Se antes pensamos que talvez os pais não tenham sido o que poderiam ou deveriam, agora me pergunto, terão os filhos Wilde e Russell seguido orientações como as que estão acima? Terão sido capazes de obedecer seus pais e com isso terem satisfeito o coração de Deus? Se o fizeram, o que não parece ter acontecido pelas próprias amostras de vida de ambos, não o fizeram conscientes de que com isso tornariam suas vidas melhores e agradariam a Deus. Aqui já é o pensamento de Wilde que destaco, pois, diferentemente de Russell, ele fala de filhos, como um filho.
Mas há um outro conselho, para pais humanos se tornarem filhos espirituais do pai celeste e para filhos humanos não serem mais apenas filhos humanos de pais humanos, mas também filhos espirituais do pai celeste.
O caminho que a Bíblia nos apresenta é aquele no qual Deus utilizou um paradigma eterno para nos chamar à filiação a ele. Jesus é chamado de Filho de Deus. Portanto, ele já tinha uma relação de amor com um filho, um filho perfeito que chegou a se dar à morte por causa de muitos outros filhos que já estavam no coração do pai eterno, mas que ainda precisavam ser adotados como filhos - e com todos os direitos. Talvez uma das mais intensas razões para concluirmos isso é o fato de que somente filhos poderão render a glória que é devida a Deus, o pai. Por isso ele queria que fôssemos como seu outro filho, o primeiro deles, que é Jesus. É por isso que Paulo diz que “Aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou” (Romanos 8.29-30). Essas são palavras de conforto para aqueles que ouvem a palavra expedida por Deus e simplesmente as entendem. São esses que se tornam, por adoção, esses filhos que Deus tem à semelhança do próprio Jesus. Não uma semelhança física, mas de espírito e de amor relacional. Isso também nos conforta - e muito -, pois tais palavras se dirigem a nós da seguinte maneira: “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Romanos 8.28). Portanto a dica número 1 é não resistir ao chamado interior de Deus, mas, uma vez ouvido e entendido, entregar-se nas mãos de Deus, passando da categoria de um ser criado por Deus sobre o qual vai um amor amplo e geral dele à categoria de um filho de Deus, adotado por ele, e sobre o qual vai um amor específico somente destinado aos filhos.
Como é que isso acontece, na prática? É bem fácil. Aliás, tão fácil que a maioria das pessoas tende a não crer e começa a complicar a relação possível com o pai celeste. O pai enviou seu filho, o paradigma ideal, para ser não apenas o salvador, mas para ser reconhecido por todos aqueles que compusessem o total dos filhos de Deus. Por isso é que o próprio Jesus nos ensina essa verdade da seguinte maneira: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas”, “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas” e “Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (João 10.11,14-15, 16). Dica número 2: se Deus o chamar, você saberá que é ele quem chama através de Jesus. Então, junte-se imediatamente ao rebanho. Essa é a condição para a filiação a Deus.
A última consideração que faço nestas linhas: só há um meio de nos tornarmos, além de filhos de algum pai terreno, filhos também do pai celeste, o qual é através de Jesus. Sim, o mesmo Jesus que é o filho unigênito de Deus, o pai. É dele que João fala, chamando-o de Verbo ou de Palavra, quando diz que apenas por meio da fé nele é possível nos tornarmos filhos de Deus. Diz ele: “Aquele que é a Palavra estava no mundo, e o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne nem pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus” (João 1.10-13). Sem mais nada a dizer, vai a dica número 3: Receber e crer em Jesus é um privilégio. Não tente não o receber nem descrer se o seu coração pede que creia e receba o filho de Deus. Antes, torne-se participante da mesma filiação e simplesmente deixe-se conduzir ao centro desse chamado.
Voltando aos nossos amigos Oscar Wilde e Bertrand Russell, talvez tenha lhes faltado sentir tais coisas com relação a Deus, o pai, em condução de suas almas aflitas ao filho, Jesus. Mas nós, filhos de Deus, que certamente temos muitíssimo menos a conferir acadêmica e intelectualmente ao mundo Ocidental - talvez a todo o mundo, temos algo a oferecer que eles, infelizmente, não puderam oferecer (pelo menos até onde sabemos de suas histórias): temos a identificação de filhos de Deus, simplesmente por termos ouvido e percebido um chamado paterno superior a tudo o mais neste mundo.
Com isso, encerro. Penso apenas que muitas vidas que poderão ler estas linhas poderão se tornar muito mais brilhantes que vultos como Wilde e Russell. Creio também que muitas pessoas comuns poderão ouvir o chamado à filiação ao lerem estas linhas tão simples e despretensiosas. Estou seguro ainda que todos aqueles que se dispuserem a ser filhos de Deus consoante o chamado que receberem jamais se arrependerão - e isso vale por toda a eternidade.
Meu conselho pessoal, com base em tudo é: Filhos humanos, amem seus pais humanos com todas as forças e tornem-se filhos espirituais do pai celeste, amando-o acima de tudo. Pais humanos, amem seus filhos humanos com todo o respeito, sem jamais os irritarem e tornem-se também filhos do pai celeste, vivendo em amor a ele sobre todas as coisas.
Que Deus abençoe todos os pais e todos os filhos.
Pr Joel Theodoro, pelo dia dos pais de 2007.
Alguns dados estão disponíveis em:
Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, Editora Vida
Manual de Teologia Sistemática de Wayne Grudem , Editora Vida
http://pt.wikipedia.org/wiki/Oscar_Wilde
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bertrand_russell
Sugiro as seguintes leituras paralelas:
A busca da moral, Stanley Grenz, Editora Vida
A corrosão do caráter, Richard Sennett, Editora Record
A indiferença pós-moderna, Ronaldo Lima Lins, Editora UFRJ
O caminho do coração, Ricardo Barbosa, Editora Encontro
Pense biblicamente, John MacArthur, Editora Hagnos
Tempos pós-modernos, Gene Edward Veith Jr, Editora Cultura Cristã
Verdades do evangelho x mentiras pagãs, Peter Jones, Editora Cultura Cristã
Viena Fin-de-Siècle, Carl Schorske, Companhia das Letras
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