Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Fotos: http://www.flickr.com/
Uma das coisas que acompanham o homem desde seus tempos primitivos é a realidade do transcendente, com a inevitável realidade paralela da fé para entender e refletir sobre esse mesmo transcendente. Mas não tem sido uma viagem fácil para nossa raça o crer que algo imaterial possa ser real, mesmo quando nos vemos cercados de elementos que, se não são imateriais, pelo menos são de difícil percepção, como ar, som, sem falar em outros elementos, imateriais, reais, porém absolutamente imponderáveis, como o pensamento, por exemplo.
Creio que parte de nosso problema se baseia sistematicamente em processos pelos quais a nossa História nos apresenta a nós mesmos como o centro de tudo, em que nossa razão desponta como algo acima de qualquer suspeita e a nossa capacidade de gerir os destinos temporais e eternos estão espalmados em nossas mãos fortes e firmes. Nossos pensamentos e pensadores atingiram níveis impensados, com reflexões profundas e pertinentes, com a sagaz capacidade de sondar interiores humanos e distâncias cósmicas de maneira imaculada. Só não conseguem perceber que seus pensamentos são para si como máscaras e que, como toda fantasia, um dia sairão para dar lugar à realidade.
Esse olhar rotundo e cíclico provoca em nós uma espécie de orgulho que impede que vejamos a nossa real desgraça e a nossa roupa enxovalhada pendurada atrás da porta da nossa existência. Um interessante conto de Andersen fala de um rei soberbo e orgulhoso, cujo desejo de sobrepujar tudo e todos era largamente conhecido. Trata-se de “A roupa nova do rei” ou, em outras traduções, “A roupa nova do imperador” (se quiser ler a narrativa toda, clique aqui para baixar o e-book gratuitamente). Ficarei com o rei mesmo. Então, no reino, seus súditos entenderam que o melhor seria concordar sempre com o rei e seus caprichos. Uns embusteiros, chegando à cidade, aproveitaram-se da situação e, acima de tudo, das características do rei, e apresentaram-se como alfaiates capazes de fazer uma roupa tão especial que somente eles e o rei seriam capazes de perceber. Passados os dias da alfaiataria, e para poupar os leitores do enredo completo, a narrativa mostra um rei absolutamente nu desfilando por entre súditos espavoridos com a sandice do monarca, mas com os sorrisos e as aprovações públicas - falsos, é claro - demonstrados enquanto o rei passava pelas ruelas de seu reino. Assim temos sido: reis que se enganam a si mesmos pela soberba e pelo orgulho; súditos que fingem entender e ver o que não vêem nem entendem; alfaiates que cozem o que não podem somente para ludibriar e enganar os tolos.
Penso constantemente no fato de não sermos incapazes, no sentido intelectual, de ter e expor fé, no sentido cristão da palavra. Mas somos incapazes, no sentido social e comunitário, de entender que isso seja razoável e, até, normal e inteligente. É um exercício complexo hoje um jovem qualquer dizer no meio em que está que acha verdadeiras as palavras que dizem que “no princípio Deus criou os céus e a terra” (Gênesis 1.1), mesmo quando essa narrativa expõe posteriormente as razões e os meios para todo o desenrolar do processo. Ao contrário, é demonstração de grande inteligência e sagacidade ele afirmar que de um algo que não existia, por razões desconhecidas, sem explicação alguma, o caos se tornou absolutamente organizado, principalmente se uma inimaginável explosão tiver originado tudo.
Estou convencido que a fé necessária para crer na segunda afirmativa é muito mais intensa do ponto de vista da lógica humana que para crer na primeira.
Se alguém conhece um mínimo de Física, poderá ajudar daqui por diante. Embora não seja profundo conhecedor dessa área do conhecimento, não me vem à mente nenhum princípio pelo qual possamos explicar qualquer explosão ou desordenação absoluta se tornar algo ordenado sem a intervenção de um elemento ordenador. Como a ausência poderia dar lugar à presença de tudo? Como o caos e o nada poderiam ceder espaço à ordenação e ao tudo existente?
As pessoas que crêem na afirmativa da gênese bíblica continuam a sua leitura nos versos 2 e 3 e entendem o que seus opositores não serão capazes de perceber como algo razoável: “Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. Disse Deus: ‘Haja luz’, e houve luz”. Estes sabem responder que um agente participou efetiva, deliberada e inteligentemente da ordenação do caos absoluto, enquanto os outros, infelizmente, continuam dizendo ao seu rei “Ó rei, que belas vestes festivais!” E o rei, feliz, continua sorrindo alegremente ao seu populacho. Só não se apercebe que, em dado momento, uma inocente criança (sincera, é claro), grite “O rei está nu!”
Voltaire trata de questão semelhante, deixando-nos no ar uma questão sobre a velhinha de seu conto: seria melhor a ignorância feliz ou conhecimento infeliz? De certa forma me opondo e parafraseando nosso escritor e filósofo, cujas obras recomendo veementemente, em especial “Cândido, ou o otimismo”, creio ser absolutamente natural para os que vêem a palavra de Deus como fonte de seus entendimentos de mundo simplesmente optar por uma via que Voltaire não percebeu: é possível chegarmos ao conhecimento feliz.Por trás de nossas sensações, das posições que adotamos, dos pontos de vista que assumimos, há sempre mais do que podemos ver a olhos nus. Nos casos dos dois tipos de pessoas acima mencionados, isso também se faz verdadeiro. Não há postulados inocentes ou assépticos: há pressupostos, os quais regem nossas decisões e nossas atitudes. Continuaremos a tratar de como é preciso ter fé para não crer. Por enquanto deixo para vocês a lembrança das duas cadeiras do universo de Francis Schaeffer: para ele, há uma sala hipotética mobiliada com apenas duas cadeiras, nas quais sentam-se dois pensadores, sendo um cristão e outro materialista (sugiro a leitura de “Morte na cidade”, Editora Cultura Cristã: em seu último capítulo você entenderá esta imagem de Schaeffer). Faço força para pensar diferente neste momento: a mesma sala, nua de todo, na qual se vê apenas uma janela. Lá fora há algo a se ver. Pergunto: o que será visto pelo cristão e o que será visto pelo materialista de Schaeffer?
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