Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Imagens: http://www.flickr.com/
Pensar em unidade não é tarefa das mais fáceis, o que não é privilégio apenas de cristãos e pré-cristãos, se assim posso chamar os irmãos do Antigo Testamento. Gente da mais alta estirpe de pensadores de nossa raça humana tem se esforçado por entender e nos fazer compreender melhor quais os possíveis significados da unidade, suas implicações, suas motivações e tudo o que possa dizer respeito a esse ponto de nossas constantes reflexões.
Perdoem-me, portanto, os pensadores que eventualmente possam ler este pequeno texto, mas não sou pensador, não me arvoro o direito de divulgar postulados em busca de seguidores, nem creio ter alcançado a primazia da razão e da verdade. Sou apenas ser humano, cristão, marido, pai, trabalhador, brasileiro... tudo muito comum. Sou pessoa das mais comuns.
A primeira coisa que nos vem à mente é que unidade tem a ver com uniformidade. Acho que isso nos engana. E muito. Embaça a nossa vista, incapacita nossa percepção e nos faz deixar de ver o que é unidade, exatamente por estarmos a olhar, crendo ser ela, uma outra coisa, cuja fonética e cuja raiz semântica realmente têm relação, mas cujos significados filosóficos e teológicos são bem diferentes. Uniformidade busca uma semelhança geral, a ponto de não vermos – ou não podermos ver – as dessemelhanças entre os uniformes. Podem pensar diferente, mas devem parecer a mesma coisa; podem brigar nos bastidores, mas devem parecer harmoniosos à frente dos demais; podem se matar, mas devem aparentar dar vida uns aos outros. Essa uniformidade, no fundo, soa a hipocrisia. Há uma uniformidade que não é conceitual, mas que é autêntica e necessária, como a das doutrinas militares, dos princípios do Estado, das razões axiomáticas. Essa uniformidade almejada é legítima em seus âmbitos, mas não é dela que falo agora.
Falo de uma outra, da hipócrita, da menos valorosa, da pouco amável, da impiedosa. Talvez pudesse me referir a uma uniformidade que faz homens e mulheres usarem o mesmo timbre vocal e os mesmos gestos que seus líderes religiosos (assim são mais “ungidos” e conseguem crescer mais rápido). Talvez, quem sabe, pudesse me referir a desvarios de imposições chamadas corriqueiramente de “costumes” em algumas comunidades eclesiais – cujo ponto central é apenas mostrar aos demais quem é mais santo (pelo menos por fora). Quem sabe, ainda, poderia me referir aos processuais de busca de status espiritual na desenfreada correria para se mensurar quem tem mais dons espirituais que, se eram para ser dons gratuitos de Deus, agora representam nivelamento de índices de espiritualidade (via de regra com a obrigatoriedade de surgirem as inúmeras visões e revelações – quase sempre advertindo os demais sobre as desgraças que os aguardam e quase nunca trazendo paz à alma, como é comum da parte de Deus).
Questões e problemas postos de lado, a unidade não tem a ver com esses desníveis que passamos a chamar de uniformidade. Para mim, impensador que sou, há uma palavra de Jesus que me fala alto ao coração. Paulo também diz coisas profundas sobre a unidade, principalmente aos Romanos, aos Coríntios e aos Efésios. Mas é Jesus que me constrange mais profundamente sobre a questão da unidade. E isso porque percebo sua fala de amor quando ele orou por mim e por você, pedindo diretamente a Deus por nossa unidade. Sim, por mim e por você. Veja o que ele diz quando ora em João 17, dos versos 17 ao 23: “Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um: eu neles e tu em mim. Que eles sejam levados à plena unidade, para que o mundo saiba que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste.”
Ora, quem seriam aqueles que ainda creriam nele? Os que surgiriam depois do tempo em que ele estava orando, às vésperas de seu suplício terreno. Somos nós: eu e você. E seu pedido é muito objetivo: que sejamos um, seguindo o modelo de unidade entre Jesus e Deus Pai. A finalidade também é explicitada, qual seja que o mundo creia no processo de salvação a partir da constatação de nossa unidade. A capacitação foi mencionada por Jesus, que diz que nos passou a glória que Deus tinha dado a ele, para que fôssemos um. Repete ao final que, assim, o mundo saberá que ele foi mesmo enviado por Deus e encerra dizendo que o Pai nos amou da mesma forma que amou Jesus. Isso é unidade. Nada de uniformidade foi mostrada nessa oração. Como cristãos devemos ter sempre em mente que nosso papel maior, como Igreja de Cristo, é levar seu amor e salvação ao mundo que não o conhece. Ultimamente há um verdadeiro arsenal de possibilidades à mão de todos os que querem propagar a mensagem de Deus. O problema desse arsenal é que, em boa parte das vezes, ele se despiu de Bíblia e assumiu novos ares, com pesadas estratégias de mercado, muito marketing, muito show, muito dinheiro e rara dose de unidade. Para que unidade? Essa coisa fora de moda num mundo pós-moderno em que ninguém sabe para que vive, numa sociedade que joga fora toda possibilidade de comunicação real por uma dose cada vez mais forte do individualismo exacerbado. Unidade só funciona se for pelo menos um mais um. Um sozinho não consegue pensar em unidade, o que explica boa parte dos danos que sofremos nesse quesito.
Li recentemente em “Uma outra espiritualidade” (Ed René Kivitz, Ed. Mundo Cristão) a lembrança de que os tempos mudaram e nós migramos com ele: o centro das atenções pulou de Deus (tempos pré-modernos) para o homem (tempos modernos) para ninguém (tempos pós-modernos). Sem chance de, naturalmente, nós vivermos qualquer processo de unidade. A não ser que a oração de Jesus funcione...
O ponto central é que não adianta a Igreja no Brasil e no mundo crescer, ter políticos de destaque, ficar rica, nem mesmo fazer boas obras sociais e filantrópicas. A unidade deve ser buscada por nós para que o mundo creia que Deus enviou Jesus. A falência dos processos evangelizadores talvez esteja centrada no fato de que tentamos há quase dois mil anos empurrar goela abaixo do mundo a mensagem de Cristo, quando o que ele nos pediu é simples, mas uma das coisas que parece que mais temos dificuldade em alcançar. Sem unidade, dificilmente crerão que o Pai enviou Jesus. Sem unidade representamos apenas o farelo do que poderia ser um enorme bolo. Lembro: unidade e não uniformidade. Unidade não afasta a diversidade, mas permite que os diversos convivam bem e até comunguem entre si e com Deus. A diversidade é notada desde os primeiros tempos, com narrativas bíblicas e extra-bíblicas a esse respeito. Lembram-se dos textos neotestamentários que narram as dificuldades enfrentadas entre os primeiros cristãos gentios e os cristãos judaizantes? Logo no segundo século já despontavam, por conta de preocupações, muitas delas legítimas, os primeiros traços de uma Igreja institucionalizada, com o princípio hierárquico surgindo, dando origem a igrejas mais “importantes”, a bispos, a credos formais, etc. Não tardou muito para que os embates em torno da unidade surgissem por toda parte, principalmente quando interpretações diferentes começaram a surgir sobre o mesmo testemunho de fé. Gnósticos, marcionitas, mais tarde os nestorianos, etc. Cada qual representava uma ameaça à unidade e constituía nova luta para preservá-la.
Paulo fala com muita propriedade sobre o tema. Se ouvíssemos mais o que ele nos diz, talvez fôssemos Igreja mais unida. Em 1 Coríntios 12 ele começa dizendo “Ora, assim como o corpo é uma unidade, embora tenha muitos membros, e todos os membros, mesmo sendo muitos, formam um só corpo, assim também com respeito a Cristo.” Essa é a essência da unidade: compreender que somos diferentes e diversos, mas precisamos ser um em Cristo, assim como ele e o Pai são um.
Não precisamos relaxar nossos conceitos. Ecumenismo não resolve a questão. Nem convívio amigável põe termo às discussões. Precisamos de coisas muito simples, mas que exigem coragem e determinação. Precisamos reconhecer o senhorio de Cristo sobre nossas vidas e simplesmente obedecer a seus desígnios. Falamos tanto da Grande Comissão e tanto nos esforçamos por cumpri-la. Mas o básico não temos feito. Isso visto que entendemos nestes pensamentos que se o mundo não perceber unidade em nós, simplesmente não crerá que Deus mandou Jesus Cristo. E se o mundo não crer nele, não será salvo.
Estes pensamentos soltos sobre unidade mostram um incômodo pessoal. Gostaria de viver tempos novos sobre a questão. Podemos nos esforçar e orar. Podemos refletir e esperar que o próprio Deus nos capacite em nossas limitações. Podemos fazer isso como exercício de busca pela unidade, mesmo sabendo que somos diferentes e diversos, mas que, mesmo assim, Jesus nos quer como um.
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