quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Morte, vida e outras considerações

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Imagens (na ordem):
- The Anatomy Lesson of Dr Tulp,
- The Presentation of Jesus in the Temple e
- The Raising of the Cross, todas de Rembrandt van Rijn.
Disponíveis em http://www.rembrandtpainting.net

Muitos e incontáveis são os problemas que cercam os seres humanos. Se você está lendo este post, provavelmente você tem menos problemas que mais da metade da população mundial. Refiro-me a problemas de ordem material, mesmo que sejam de coisas relacionadas à subsistência, como água e saneamento, sem falar em educação, segurança e bens sociais. Falo de mais de 4 bilhões de seres como eu e você. Infelizes, infortunados, à margem do mundo em que nasceram não se sabe para quê. Sofredores. Gente triste. Gente sem esperança. Sim, há coisas muito simples, mas sem as quais simplesmente morremos. Água potável e um pouco de ar puro, por exemplo.
É impressionante o número de pessoas que morre todos os dias por causa de dinheiro, seja seu ou do outro; legal ou não; limpo ou sujo. Muita gente se mata por coisas banais: um xingamento num sinal de trânsito, um olhar desengonçado e mal interpretado, um desafeto qualquer, uma palavra desencontrada de sentido. Outros morrem sem motivo algum, porque um menino qualquer acha que está num game e mata para contar à noite nas rodas miseráveis dos obscuros pontos de drogas e mortes anunciadas. Matar só para ter o que contar.

Morrer à toa assusta qualquer pessoa normal. Sabemos que morreremos todos, mas temos intuitiva esperança de que a morte chegará, via de regra, em idade avançada ou, na pior das hipóteses, e, enfermidade grave. A morte mata outras coisas no ser humano, levando não só a existência temporal, mas uma série de outros elementos adjacentes à vida humana. Os sonhos morrem com a morte. O sustento de uma família pode morrer com a morte. A esperança de felicidade pode sumir com a morte. A chance de mudança prometida a alguém desfalece com a morte. Muita coisa morre com a morte. Para muita gente, é uma pena afirmar, a vida eterna morre com a morte: a chance de ver Deus desaparece com a morte.

Para os miseráveis sem terra, sem roupa, comida ou água, a morte pode representar a última fronteira para tentar alguma coisa. Nada sabendo do que está além do suspiro final, tentam se agarrar à vida que têm apenas por medo do que não conhecem. Mas de tão difícil, talvez sonhem com dormir e simplesmente ficar dormindo. Morrer que nem passarinho, que nem um bichinho doméstico, como a Negrinha do Lobato. Coisa triste, sem chão, sem carinho.

Mas a miserabilidade não pára nas coisas tangíveis. É miséria da pior qualidade a miséria da alma. Aquela alma que se acostuma ao ódio, à morte desarrazoada, à trapaça, ao engodo, ao vilipêndio, à destruição do outro, talvez até por mórbido prazer. Esse infeliz é pior e mais infeliz que o outro, pelo menos sob a luz da ética humana. O que dizer que quem torna a vida de alguém uma desgraça? O que dizer dos que desviam recursos, comida e água de quem está à beira da morte, ansiando por um pouco que seja dessas coisas? O que pensar sobre os que manifestam contra raças, etnias e comunidades inteiras só por suas diferenças circunstanciais? A incomensurável capacidade humana de levar ao sofrimento assusta tanto quanto a morte, apavora tanto quanto o desconhecido além, enche de arrepios tanto quanto olhar gente estropiada pelas desgraças da vida.
Não haveria solução possível para nós, raça afeita à guerra e à morte, não fosse uma morte, por paradoxal que pareça isso. A nossa morte nos leva apenas ao caixão e à sentença eterna. A morte de Cristo, no entanto, o levou à vitória sobre a morte e nos permitiu fazer da morte um inimigo vencido. Morrer, para os feitos filhos de Deus em Jesus Cristo, é lucro, como deixa para nós Paulo, o apóstolo, ao dizer “para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Filipenses 1.21). Esse feito iguala a todos, de todas as procedências e condições sociais, numa demonstração clara da soberania divina. O que de nada carece e o que de tudo tem falta poderão fazer da morte apenas a última etapa antes da indizível alegria eterna. Igualam-se de maneira descomunal e impensável em qualquer sociedade ou modelo sócio-econômico. Nenhuma das teorias conhecidas, nem mais à esquerda nem mais à direita, seriam capazes de igualar assim dois seres humanos tão opostos por condições externas. Iguala os igualados em Cristo. Iguala os que se tornaram um só com ele.
Talvez não tenhamos resposta para os que sofrem de maneira tão severa no mundo, a não ser a resposta bíblica do pecado que domina o mundo caído e nos paga seu salário de tristeza. Comecei dizendo que os que lêem este texto são, provavelmente, menos sofredores que os milhares de miseráveis deste mundo, mas podem ser terrivelmente sofredores por dentro, no coração, nos sentimentos, na alma. Não importa. Qualquer sofrimento a que estamos sujeitos faz parte desta tênue existência, deste suspiro pelo qual passamos por este mundo. Mas há esperança, há salvação, há paz prometida, há vida a ser conquistada e alcançada. Afinal, o mesmo Paulo também registrou para nós que “o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor”. (Romanos 6.23).

Conhecer Jesus como amigo e salvador é tornar-se parte integrante de um projeto bem maior que nossas dores possíveis. É dom, ou seja, é algo dado. É gratuito. É vida eterna.

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