Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Imagens: http://www.flickr.com/
Do latim comunnione, que nos remete a comunidade de fé ou de crenças, de opiniões convergentes, embora não necessariamente idênticas. Lembra-nos a Eucaristia, ou Santa Ceia, ou o momento em que a mesma é administrada e recebida. Leva-nos a pensar sobre o partilhar espontâneo de bens e pertences entre os cônjuges ou entre amigos muito achegados. Coisas bonitas!
Por sua vez, o termo latino vem de communis, algo que pertencia a todos ou a muitos. Dessa matriz temos diversas palavras em português moderno, com muitos significados, como comungar, comunitário, comunista, descomunal, comunicação, comunidade, etc.
Comunhão evoluiu do português arcaico comoyon (século XIII) e comunhõ (século XV) até chegar à forma atual. Antes da forma communione, a palavra nasceu como termo eclesiástico, passando pelo latim communio (-onis). Para se ter mais profundidade, pode-se consultar um bom dicionário de Etimologia (o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha, é um bom exemplo).
Com união. Esse é um sentido possível do termo em sentido teológico. Ter união uns com os outros. Ter união com Deus. Comunhão nos leva a isso: vida com união.
O ser humano não foi feito para a vida solitária. Nem só de outros seres humanos; nem só de Deus; nem só de si mesmo. O termo mostra sua evolução etimológica, que, desde o latim até o português moderno, passando por momentos lingüísticos como romance, galego-português e o próprio português arcaico, chega a uma forma atual polida e refinada pelo tempo e pelo uso de gerações de falantes.
A comunhão, como sentido referencial do termo, no entanto, parece ter sofrido uma involução. Explico: para cada termo que temos em nossa língua, seja ela qual for, temos um significado base que guardamos em nosso interior. “Cadeira”, por exemplo: mesmo que eu não descreva para você uma cadeira específica, você, ao ouvir a palavra, sabe que eu falo daquele objeto em geral com quatro pernas e um espaldar no qual nos sentamos. Outras palavras sofrem alterações de significado e o termo original, a base da compreensão do que era aquilo, o sema, já não é o mesmo. “Coitada”, por exemplo: dizemos isso, hoje, em relação a uma pessoa do sexo feminino pela qual nutrimos pesar; mas, no passado, já quis apontar para uma mulher vítima de coito forçado, ou, em entendimento mais atual, forçada ao ato coito (ato sexual).
Creio que o sentido base de comunhão também foi alterado. Nesse caso, por se tratar de um termo com base em pensamentos cristãos e eclesiásticos, penso que ele involuiu, pelas razões que brevemente disse acima. Hoje em dia quando, numa comunidade de fé (viram? comunidade vem da mesma matriz latina...) quando se fala em comunhão, via de regra se fala em amizade. Fala-se em relacionamento fortuito e superficial, fala-se em algo que pode ser e pode deixar de ser. Mas por qual razão isso se daria? À primeira vista, a resposta parece saltar do fato de implantarmos em nossas ações espirituais, no macro de nossa vida, aquilo que temos praticado em nossa existência secular, o micro de nossa vida. Assim, como nos tornamos isolados uns dos outros ao longo das eras, involuímos e nos tornamos, também, isolados de Deus para, finalmente, nos tornarmos isolados de nós mesmos. O termo comunhão acompanhou isso: perdemos a comunhão uns com os outros, perdemos a comunhão com Deus e perdemos a comunhão conosco mesmos.
A alteridade é uma questão problemática para a História humana há muito tempo, desde que nos entendemos por raça capaz de registrar seus feitos. Começamos a nos afastar deliberada e sistematicamente de Deus - em termos filosófico-existenciais e não capitais - há uns poucos séculos e, de uns dois ou três para cá, começamos a fazer o mesmo conosco mesmos. Triste raça. Triste sina. Triste destino de quem não conseguia olhar para o outro, nem para Deus, e agora nem para seu reflexo num espelho de moral e ética quebradas.
Mas nós, que temos uma esperança bíblica, uma esperança em reaver a comunhão perdida, precisamos olhar para a involução do termo e buscar a reversão desse estado semântico, trazendo de volta para nossos círculos mais pessoais e, em seguida, comunitários (vejam de novo a matriz latina...) a esperança bíblico-teológico da possibilidade da comunhão verdadeira. Ocorre que ela só é possível quando temos comunhão conosco mesmos, comunhão com o outro e, acima de tudo, comunhão com Deus. Esta, aliás, é condição para reavermos o sentido do termo, com união, e a prática do mesmo.
Precisamos deixar de ver comunhão como a prática de uma relação de amizade fortuita e passar a desenvolver o esforço, a busca, por um estado de comunhão. Essa não é uma comunhão barata, criada a toque de caixa, com sorrisos plásticos, tapinhas nas costas e as boas-vindas à porta de uma igreja. Essa não é a comunhão que não traz o “com” nem a “união” numa só ação. Essa não é a comunhão que, em seu bojo, nos remete à Eucaristia, à Mesa do Senhor, ao memorial maior do nosso Salvador.
Paulo, escrevendo a Filemon diz a ele, bem no início de sua carta, que a sua fé e seu amor eram reconhecidos por outros, pois ele ouvia falar “sua fé no Senhor Jesus e do seu amor por todos os santos” (verso 5), além de declarar que ele, Paulo, orava por Filemon constantemente (verso 4), motivado, segundo o próprio autor sagrado, por essas informações. E ele segue, no verso 6, dizendo “oro para que a comunhão que procede da sua fé seja eficaz no pleno conhecimento de todo o bem que temos em Cristo”.
Apenas para finalizar este que poderia ser tema de muita conversa, o que precisamos, nos dias involuídos em que vivemos, é retornar ao sema de comunhão. É retornar à fé e ao amor - e que estes sejam reconhecidos por onde quer que andemos. É retornar ao princípio da comunhão, no qual viver conosco, com o outro e, ainda mais, com Deus, represente viver “com união”, com interação, com muito mais que afagos nos ombros, no intelecto ou no ego. E isso, seguindo a dica de Paulo, tem que partir da oração. Oração pelo outro, que estará orando por nós. Todos orando por todos. Esse é o segredo.
Precisamos involuir novamente a involução. Involuir a involução é evoluir. Saindo da lingüística, é como na matemática: dois negativos trazem um resultado positivo...
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
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