quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

FÉ PARA NÃO CRER II - SEM ALICERCE E SEM ESPERANÇA

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Fotos: arquivo pessoal (detalhes)

"Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia. Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão nos céus, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz. Antes vocês estavam separados de Deus e, na mente de vocês, eram inimigos por causa do mau procedimento de vocês. Mas agora ele os reconciliou pelo corpo físico de Cristo, mediante a morte, para apresentá-los diante dele santos, inculpáveis e livres de qualquer acusação, desde que continuem alicerçados e firmes na fé, sem se afastarem da esperança do evangelho, que vocês ouviram e que tem sido proclamado a todos os que estão debaixo do céu. Esse é o evangelho do qual eu, Paulo, me tornei ministro." Colossenses 1.15-23.

Pela graça de Deus pudemos, eu e minha esposa, Roberta, visitar recentemente algumas igrejas que são verdadeiros ícones na história da Igreja. Refiro-me a comunidades que realmente contribuíram para o avanço da fé cristã, evangélica, reformada. Enviaram gente para ministrar em todas as partes do mundo, pregaram a Palavra de Deus de maneira ostensiva e coordenada, apresentando a possibilidade de salvação aos mais distantes rincões de nosso planeta. Falaram a pessoas de línguas diferentes, traduziram enormes porções e, mesmo, toda a Bíblia para muitos povos distantes. Por causa desse povo, inclusive as sociedades onde se encontram sofreram alterações profundas, constituindo-se hoje em sociedades que consideramos mais avançadas. Como ministros, cumpriam o que as Escrituras preceituam: levavam o evangelho a todas as criaturas às quais conseguiam se dirigir.
O texto bíblico acima parece não fazer nenhum sentido se lido apenas com estes dizeres inicias. Mas passa a significar mais quando nos apegamos às últimas palavras do mesmo. Vemos que a descrição quase que total do texto tem relação direta com o papel divino e salvífico de Cristo em relação ao seu povo. Fala de Jesus, quem é ele, seu papel no cosmo, o seu tempo, o seu papel na criação humana e seu ministério de reconciliação. Fala das motivações divinas de seu coração como trabalho final a ser apresentado diante do Pai: apresentar-nos a ele santos, sem culpa e livres de acusações.
As últimas palavras, as que me chamam a atenção para este breve comentário, dizem, no entanto, que esse papel somente será cumprido desde que estes “continuem alicerçados e firmes na fé, sem se afastarem da esperança do evangelho”. Neste ponto volto às igrejas locais que visitamos. Na verdade, passamos por duas delas que hoje têm papéis diferentes: uma se tornou centro cultural e outra, centro de compras, com diversas lojinhas dividindo o antigo local de culto. Por curiosidade, entrei num site especializado em comercializar igrejas para quaisquer finalidades posteriores. Algumas já são vendidas após a adaptação. Igrejinhas bonitas, históricas, bem situadas: não importa, o importante é que agora são desnecessárias, redundantes, como as chamam sem nenhuma cerimônia. Se não acredita, passeie por http://www.property.org.uk/unique/ch.html.
Não apenas essas que formalmente abandonam seus papéis originais, mas há outras que parecem nos obrigar a ler novamente que a condição é todos continuarem “alicerçados e firmes na fé, sem se afastarem da esperança do evangelho”. Entramos em belíssimos “museus”. Igrejas que somente servem hoje a esse propósito. Nada contra os museus: como bons cristãos reformados, sempre que temos chance nós os visitamos. O caso é que essas igrejas não servem mais para cultuar, apenas para visitar. Não olhamos mais para cima em busca de Deus em seus interiores, mas olhamos unicamente buscando as belíssimas abóbadas. Os passeios - geralmente caros - pelas dependências de séculos e milênios de história, são cheios de gente interessada naquilo que as paredes, as peças e até as criptas têm a nos lembrar. As estátuas de homens que Deus usou poderosamente no passado nos fazem glorificar um Deus que usa gente comum para grandes feitos. Mas os cultos, vazios, no paralelo das visitas guiadas, demonstram que o que se fala ali não mais testemunha de um Deus poderoso e operoso. Não fala mais daquele Jesus de Colossenses. Não fala mais da esperança de sermos santos, nem imaculados, ou sem acusações.
Os prédios ainda falam por suas arquiteturas imponentes. As colunatas, os domos, as torres, as obras em seu interior, a disposição dos elementos litúrgicos. São testemunhas de pedra, madeira e tinta. Verdadeiras pedras clamando já que os homens ali não falam mais o que deveriam falar. Do contrário, em consonância com a liberalidade de argumentos e o vazio de sua fé (ou falta de uma fé cristã) fala-se que talvez a Bíblia não seja mais que uma coletânea de contos sem valor de fé, que, por isso mesmo, não devemos ser muito preocupados com os fatos relativos a Jesus, quem é ele, seu papel no cosmo, o seu tempo, o seu papel na criação humana e seu ministério de reconciliação. Não se importa mais com suas motivações divinas e com o trabalho final a ser apresentado diante do Pai, ou seja, apresentar-nos a ele santos, sem culpa e livres de acusações. Até porque, esses, parecem crer em várias outras alternativas para a eternidade, haja vista a relativização de seus pensamentos teológicos.
Talvez devêssemos parar e nos questionar a respeito do paradeiro daqueles cristãos do início deste texto. Quem sabe poderíamos nos perguntar sobre o que estes de hoje têm feito ao legado dos antepassados. O que esperam, uma vez que vivem sem mais falar da esperança e o crêem, já que não demonstram mais ter a fé cristã no centro de seus corações? Assim como a ciência e a filosofia, se mal trabalhadas e com más motivações, podem gerar uma fé espúria em elementos que afastam de Deus, deixando a contrariedade a Deus e sua Palavra com base em teorias que precisam de alguma forma de fé (vejamos o caso do evolucionismo), a teologia esvaziada de seu conteúdo, o cristianismo sem Cristo, a Igreja sem Bíblia, também podem conduzir a outras formas de fé, todas elas afastadas de Deus e de seus preceitos. Mas nenhuma dessas alternativas é capaz de deixar o homem santo, sem mácula e sem acusações contra si mesmo.
Fé, continuam tendo, mas ela migrou. Migrou para os baluartes do passado, para os grandes feitos de homens de ontem que fizeram o que precisavam, talvez sem jamais cogitarem que a fé que tão penosamente plantavam seria feita uma fé vazia e sem sentido cristão. Seria feita, infelizmente, uma fé para não crer.