sábado, 27 de setembro de 2008

EM BUSCA DA ARCA PERDIDA

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Imagens: http://www.flickr.com/


É nome de filme, expressão que traz em si mesma um sem fim de informações do desejo maior da alma humana, que é chegar a respostas que não se tem naturalmente. O desejo maior de alcançar o que é imponderável, sublime, poderoso e, acima de tudo, regenerador e salvador. A arca perdida representa, de certa forma, exatamente isso.
O nosso problema não consiste tanto em buscar a arca perdida. Isso é normal, tendo em vista que o futuro e o além nos assustam e com relação a eles queremos obter o mínimo de respostas e seguranças possível. Ora, o problema consiste em ir ao lugar errado atrás da arca. Em buscar outras coisas pensando serem arca. Em buscar, talvez a arca certa, mas da forma e no lugar errado. A arca denota segurança e paz que não têm fim. No filme que traz esse mesmo nome como título, além disso, havia também a idéia mítica que o descobridor da arca passaria a ser possuidor de poderes quase incontroláveis, descomunais. Outro sonho humano: ter poderes e mais poderes, sempre para dominar e subjugar.
Mas a arca perdida, aquela de nossos sonhos não é verdadeiramente como a do filme e como a do mitologia. Há uma outra arca, perdida ainda para muitos, mas que pode ser encontrada, e muito mais facilmente que se pode supor. Isso porque, de forma real, e não mítica, alguém abriu e pavimentou um caminho que nos leva diretamente até ela.
A arca pode representa a busca pelo que não se tem. E é sempre mais fácil buscar o que não se tem por meio de atalhos. Afinal, trilhar o caminho convencional leva muito tempo, denota esforço e não tem garantias sabidas. O caminho pode falhar ou podemos ser impedidos de prosseguir por ele bem no meio da jornada. Atalhos soam a boas medidas, a métodos “espertos”, a possibilidades de vencer sem lutar, de comer sem mastigar, de se nutrir sem alimento certo. É mais fácil. É mais imediato.
Mas o atalho pode ser também intangível e imponderável. A arca não deve ser um atalho em si mesma. Ela faz parte do imaginário do desejo coletivo, no qual a nossa vontade de sobrepujar obstáculos, por vezes, nos leva ao desejo do truque. Mas há uma arca que é séria. Ela representa não o poder e a riqueza “de per si”. Ela representa, sim, poder e capacidades extra-humanas, transcendentes. O problema é que a verdadeira arca, eu diria Arca, tem em si mesma a plenitude do poder, do bem, da graça e da paz: como essas são coisas avessas à estrutura humana natural, precisamos entender qual a finalidade e a razão da busca por essa Arca.
Temos um vazio. Na pior das hipóteses, os pós-modernistas chamam isso de “eu fragmentado”. Não importa: somos ocos, fracos e efêmeros. E, por isso, trazemos em nós a informação quase genética de que é necessário encontrarmos um depositário que reverta essas nossas desqualificações naturais. Começamos procurando uma arca, pois a noção primeva que temos em nós é de que isso resolverá nosso problema existencial. Uma arca de poder e reestruturação. Mas o que não entendemos naturalmente é que uma arca qualquer e tudo que ela possa representar não resolverão jamais nossas questões, pois elas vão além do que possamos tratar por nós mesmos, mesmo encontrando uma arca perdida.
Uma arca qualquer não nos adiantaria. Mas a Arca resolve tudo para nós. Procuramos, procuramos e procuramos. Mas só encontramos a Arca se ela nos encontrar primeiro. É ela quem nos aponta a direção, nos abre os olhos e se mostra a nós, demonstrando o que é a partir de onde se encontra. Para nunca mais nos perdermos, ela passa a morar em nós, dentro de nós. Como perderíamos algo que está dentro de nós? Assim é nossa jornada. Vazios, passamos a vida atrás de soluções. São as arcas perdidas que procuramos sem detença por toda parte. Nada adianta! A Arca, porém, se mostra a nós. Ela não é uma das soluções imaginadas para nossa vida efêmera e transitória: é a Solução definitiva, de hoje e sempre, para este tempo e para o futuro eterno. Esse é o sabor e o resultado de encontrar a Arca, que é Jesus, o Filho de Deus, o nosso Salvador. Uma vez encontrados pela Arca, com a sensação de amparo e salvação permanentes, iniciamos nossa caminhada de outra forma. Não buscamos mais a Arca. Tendo-a conosco e em nós, passamos a ser procuradores de procuradores da Arca, aqueles que, como nós, antes, ainda estão procurando alguma arca perdida, sem saberem que, no fundo, buscam a Arca.

domingo, 21 de setembro de 2008

QUANTO VALE O QUE TENHO?

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Imagens: http://www.flickr.com/



Fico pensando por vezes em como somos pouco atentos às coisas mais tênues, mais simples da vida. Coisas essas que podem ser as mais belas e importantes, mas que, por sua gentileza e por tanto a elas nos acostumarmos, tendemos a não lhes dar a devida importância. Andava me lembrando há alguns dias de coisas assim. Comecei me lembrando do Vale Quanto Pesa, um sabonete que havia por aí quando eu era criança. Aliás, ele esteve nas prateleiras até meados dos anos 80. Depois, sumiu... Ele tinha cheiro questionável. Não era fedorento, mas cheiroso, cheiroso mesmo, que eu me lembre, não era. Mas era grande, barato e popular, ou seja, demorava a acabar, custava pouco e as camadas mais populares, por isso mesmo, o tinham em grande estima. Valia o que pesava mesmo! Mais antigamente ainda, muito antes de eu ser criança, costumava-se, eventualmente, premiar pessoas de grande contribuição a reinos e nações dando-lhe seu peso em ouro. Isso também significa dizer que ele valia o que pesava. Mas o comum de nossa vida é dar menos valor ao que temos que o real valor daquelas coisas. Infelizmente.

Se nos perguntarmos qual o valor que damos a algumas das coisas mais comuns que nos cercam, quais seriam nossas respostas sinceras? Poderíamos nos perguntar, por exemplo, quanto vale a oportunidade de estudar, quanto vale o termos comida diariamente para nosso alimento, quanto valem a roupa e o calçado que temos, quanto vale o emprego que nos serve de sustento, quanto vale a família que Deus nos deu, quanto vale nosso cônjuge, quanto valem nossos filhos, quanto vale a nossa comunidade de fé... E tantas outras perguntas possíveis. Quais seriam nossas respostas? Elas agradariam a Deus? Elas nos deixariam mais felizes? É comum dizermos que só damos real valor às coisas após as perdermos. Isso porque costumamos também dar pouco valor a tudo que nos vem à mão. Da mesma forma, e pelas mesmas razões, costumamos menosprezar a nossa capacidade de ação, exatamente porque ela se desenvolve a partir de elementos que estão em nós e em nosso poder. Ora, se menosprezamos o que somos e o que temos, menosprezamos também as ações decorrentes disso tudo.
Foi mais ou menos o que aconteceu com os discípulos de Jesus no momento em que o próprio Senhor lhes dá ordens no sentido de que deveriam alimentar cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. Digamos que ali houvesse uma multidão de quinze mil pessoas. Você pode ler isso em Mateus 14.13-21. Os discípulos fizeram o que normalmente nós fazemos: olharam para o que tinham em mãos e acharam que seria insuficiente um lote de cinco pãezinhos e dois peixes para dar de comer a quinze mil pessoas. E, realmente, no caso deles, humanamente falando, não dava mesmo. Mas eles se esqueceram de quem tinha mandado que eles distribuíssem comida. O mesmo Senhor que tinha ordenado não os deixaria incapacitados de prosseguir com a missão. O que temos em mãos, ou seja, o comum de nossa vida – como eram comuns para aqueles homens os pães e os peixes – passa a ser incomum quando no universo de Deus. Nossas pequenas e simples coisas, nossa família, nosso trabalho, nossos cônjuges e filhos, e tudo o mais que nos cerca, passam a significar algo além do que são. Nossa família, por exemplo, não é mais um grupo de pessoas que se gostam e se amam, mas passa a ser um grupo de pessoas que se amam NO SENHOR. E isso faz toda a diferença. Isso muda tudo.
A pergunta não é mais quanto vale isto ou aquilo, mas quanto isso vale sob a ação de Deus? É por isso que as respostas mais estranhas poderão surgir quando fizermos perguntas, por exemplo, para os momentos de crise de nossa caminhada. Assim: Quanto vale a oportunidade de estudar quando não tenho recursos ou meios? Quanto vale termos comida em meio a grande dificuldade e desespero de vida? Quanto vale a família que Deus nos deu quando atravessamos abismos de dificuldades? Nesse momento, nossa resposta pode ser como a dos discípulos, e podemos dizer “não dá, Senhor. Tenho apenas cinco pães e dois peixes...” Não faz mal sermos sinceros nessas horas, mas precisamos contar isso a Jesus. Ele vai nos ajudar, pegar o pouco que temos, que para Ele é mais que suficiente, e vai multiplicar para nós, mostrando-nos que tudo estava em boa qualidade e quantidade. Bastava que Ele estivesse no circuito.

Quando deixamos de ver tudo apenas pela ótica material e conseguimos enxergar com os olhos da fé, quando vemos como Jesus vê, o milagre parece brotar e o milagre se torna visível a todos. Por nossa causa, muitos verão as obras de Cristo! Por isso, precisamos mudar o foco de nossas perguntas e passar a nos perguntar assim: Quanto vale minha comunidade de fé aos olhos de Jesus? Quanto valem meus filhos aos olhos de Jesus? Quanto vale meu cônjuge aos olhos de Jesus? Quanto vale meu emprego aos olhos de Jesus? Quanto vale minha roupa, minha comida, meus calçados aos olhos de Jesus? Nossa vida será mais alegre, nossos olhos verão melhor o que temos e o valor dessas coisas será multiplicado em nosso coração.

Para crescer nesse aspecto, é preciso responder sempre à luz do olhar de Cristo. É necessário parar de menosprezar o que temos, pois é dádiva de Deus. Temos também que aprender a valorizar o que temos, sabendo que seu valor é ilimitado à luz do poder de Cristo. Finalmente, não podemos deixar de agradecer a Deus a cada dia por suas dádivas imerecidas.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

COMUNHÃO?

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Imagens:
http://www.flickr.com/


Do latim comunnione, que nos remete a comunidade de fé ou de crenças, de opiniões convergentes, embora não necessariamente idênticas. Lembra-nos a Eucaristia, ou Santa Ceia, ou o momento em que a mesma é administrada e recebida. Leva-nos a pensar sobre o partilhar espontâneo de bens e pertences entre os cônjuges ou entre amigos muito achegados. Coisas bonitas!

Por sua vez, o termo latino vem de communis, algo que pertencia a todos ou a muitos. Dessa matriz temos diversas palavras em português moderno, com muitos significados, como comungar, comunitário, comunista, descomunal, comunicação, comunidade, etc.

Comunhão evoluiu do português arcaico comoyon (século XIII) e comunhõ (século XV) até chegar à forma atual. Antes da forma communione, a palavra nasceu como termo eclesiástico, passando pelo latim communio (-onis). Para se ter mais profundidade, pode-se consultar um bom dicionário de Etimologia (o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha, é um bom exemplo).

Com união. Esse é um sentido possível do termo em sentido teológico. Ter união uns com os outros. Ter união com Deus. Comunhão nos leva a isso: vida com união.

O ser humano não foi feito para a vida solitária. Nem só de outros seres humanos; nem só de Deus; nem só de si mesmo. O termo mostra sua evolução etimológica, que, desde o latim até o português moderno, passando por momentos lingüísticos como romance, galego-português e o próprio português arcaico, chega a uma forma atual polida e refinada pelo tempo e pelo uso de gerações de falantes.

A comunhão, como sentido referencial do termo, no entanto, parece ter sofrido uma involução. Explico: para cada termo que temos em nossa língua, seja ela qual for, temos um significado base que guardamos em nosso interior. “Cadeira”, por exemplo: mesmo que eu não descreva para você uma cadeira específica, você, ao ouvir a palavra, sabe que eu falo daquele objeto em geral com quatro pernas e um espaldar no qual nos sentamos. Outras palavras sofrem alterações de significado e o termo original, a base da compreensão do que era aquilo, o sema, já não é o mesmo. “Coitada”, por exemplo: dizemos isso, hoje, em relação a uma pessoa do sexo feminino pela qual nutrimos pesar; mas, no passado, já quis apontar para uma mulher vítima de coito forçado, ou, em entendimento mais atual, forçada ao ato coito (ato sexual).

Creio que o sentido base de comunhão também foi alterado. Nesse caso, por se tratar de um termo com base em pensamentos cristãos e eclesiásticos, penso que ele involuiu, pelas razões que brevemente disse acima. Hoje em dia quando, numa comunidade de fé (viram? comunidade vem da mesma matriz latina...) quando se fala em comunhão, via de regra se fala em amizade. Fala-se em relacionamento fortuito e superficial, fala-se em algo que pode ser e pode deixar de ser. Mas por qual razão isso se daria? À primeira vista, a resposta parece saltar do fato de implantarmos em nossas ações espirituais, no macro de nossa vida, aquilo que temos praticado em nossa existência secular, o micro de nossa vida. Assim, como nos tornamos isolados uns dos outros ao longo das eras, involuímos e nos tornamos, também, isolados de Deus para, finalmente, nos tornarmos isolados de nós mesmos. O termo comunhão acompanhou isso: perdemos a comunhão uns com os outros, perdemos a comunhão com Deus e perdemos a comunhão conosco mesmos.

A alteridade é uma questão problemática para a História humana há muito tempo, desde que nos entendemos por raça capaz de registrar seus feitos. Começamos a nos afastar deliberada e sistematicamente de Deus - em termos filosófico-existenciais e não capitais - há uns poucos séculos e, de uns dois ou três para cá, começamos a fazer o mesmo conosco mesmos. Triste raça. Triste sina. Triste destino de quem não conseguia olhar para o outro, nem para Deus, e agora nem para seu reflexo num espelho de moral e ética quebradas.

Mas nós, que temos uma esperança bíblica, uma esperança em reaver a comunhão perdida, precisamos olhar para a involução do termo e buscar a reversão desse estado semântico, trazendo de volta para nossos círculos mais pessoais e, em seguida, comunitários (vejam de novo a matriz latina...) a esperança bíblico-teológico da possibilidade da comunhão verdadeira. Ocorre que ela só é possível quando temos comunhão conosco mesmos, comunhão com o outro e, acima de tudo, comunhão com Deus. Esta, aliás, é condição para reavermos o sentido do termo, com união, e a prática do mesmo.

Precisamos deixar de ver comunhão como a prática de uma relação de amizade fortuita e passar a desenvolver o esforço, a busca, por um estado de comunhão. Essa não é uma comunhão barata, criada a toque de caixa, com sorrisos plásticos, tapinhas nas costas e as boas-vindas à porta de uma igreja. Essa não é a comunhão que não traz o “com” nem a “união” numa só ação. Essa não é a comunhão que, em seu bojo, nos remete à Eucaristia, à Mesa do Senhor, ao memorial maior do nosso Salvador.

Paulo, escrevendo a Filemon diz a ele, bem no início de sua carta, que a sua fé e seu amor eram reconhecidos por outros, pois ele ouvia falar “sua fé no Senhor Jesus e do seu amor por todos os santos” (verso 5), além de declarar que ele, Paulo, orava por Filemon constantemente (verso 4), motivado, segundo o próprio autor sagrado, por essas informações. E ele segue, no verso 6, dizendo “oro para que a comunhão que procede da sua fé seja eficaz no pleno conhecimento de todo o bem que temos em Cristo”.

Apenas para finalizar este que poderia ser tema de muita conversa, o que precisamos, nos dias involuídos em que vivemos, é retornar ao sema de comunhão. É retornar à fé e ao amor - e que estes sejam reconhecidos por onde quer que andemos. É retornar ao princípio da comunhão, no qual viver conosco, com o outro e, ainda mais, com Deus, represente viver “com união”, com interação, com muito mais que afagos nos ombros, no intelecto ou no ego. E isso, seguindo a dica de Paulo, tem que partir da oração. Oração pelo outro, que estará orando por nós. Todos orando por todos. Esse é o segredo.


Precisamos involuir novamente a involução. Involuir a involução é evoluir. Saindo da lingüística, é como na matemática: dois negativos trazem um resultado positivo...

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

E A VIOLÊNCIA?

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro

Há muito que pode ser feito para se enfrentar a violência. Especialistas poderiam nos fornecer uma enorme lista de procedimentos e decisões que seriam suficientes para minimizar e, a longo prazo, tornar nossa sociedade pelo menos tolerável em termos de segurança. Muitos lugares mundo afora já estiveram em situação mais dramática que a nossa e hoje, passados muitos anos, estão em outro patamar, com seus cidadãos andando menos preocupados por suas ruas. É possível, portanto.
Ocorre que não somos especialistas em segurança pública. Somos cidadãos; exatamente as pessoas que sofrem as ações prejudiciais de um estado de insegurança e violência generalizados. Não sabemos o que fazer em termos práticos com relação ao caos que nos cerca, a não ser pequenas medidas de prevenção, mas quase todas elas em caráter individual e, no máximo, familiar.
Com isso quero dizer que qualquer ação que tomemos por nossa correrá o sério risco de ser um arremedo desesperado de uma ação falha de pressupostos. Podemos ter boa vontade, mas a mesma, sem capacitação técnica e política, será nula. Nada do que se fizer em termos particulares poderá influenciar decisivamente nos fatos sociais amplos. As exceções na História são raras, e sempre executadas por alguns daqueles seres humanos brilhantes que despontam de tempos em tempos para nos levarem a alguma diferença na vida em sociedade.
Cada um deve usar das armas que tem e que sabe manusear bem. Usar as armas do outro pode representar desgraça e incapacidade. Pode representar a perda do pouco que se tem. Digo isso porque somos cristãos. Não somos políticos. Não somos agentes de segurança. Não somos autoridades públicas. Claro, falo da maioria de nós, sabendo que alguns cristãos podem militar nessas áreas também.
Na maioria das vezes, vale mais a pena lutar com armas simples, porém de bom manuseio, que armas melhores e mais sofisticadas, sobre as quais não se tenha bom manejo e domínio. As nossas armas, como cristãos, quase nunca são as armas com que os especialistas podem lutar. Eles devem saber o que fazem com elas. Nós, não. Não me adianta fazer levantes e manifestar minha indignação sem que, antes, eu tenha me utilizado das minhas armas apropriadas.
Isso mesmo aconteceu com um bravo rei da antigüidade, até hoje reconhecido por sua bravura e destreza em combate. Mas, quando estava por começar sua carreira de combatente, tomou um dos passos mais importantes para sua afirmação nos campos de batalha: abriu mão de lutar com a arma do outro. Davi ainda era muito jovem, franzina e de pequena estatura. Sabendo de um iminente confronto, com relação ao qual os soldados profissionais tremiam (teriam que enfrentar um homem de estatura acima do normal, portando armas imensas), Davi se encontrou com seu rei, Saul. Este, impressionado pela coragem do jovem, fez com ele vestisse sua própria armadura, pusesse seu elmo de bronze e usasse suas armas.
O relato, que está em 1 Samuel 17, é muito interessante e emblemático para nossos dias. Davi percebeu que, mesmo com armas muitíssimo melhores que as suas, estaria fadado à derrota por uma simples razão: ele não as conseguiria usar. Ele tinha consigo apenas uma funda, uma espécie de atiradeira, que em vez de puxar os elásticos, tem suas tiras de couro giradas e, com presteza, libera-se a pedra. Não é normal acreditar que uma pedrinha e uma funda pudessem funcionar melhor que armaduras e armas profissionais. Mas assim foi. E, incrível, assim continua sendo.
Em Efésios, um outro gigante da fé, o apóstolo Paulo, nos deixa claro que nossa luta não é contra carne ou sangue, mas contra as esferas de poder e domínio espirituais que tomam conta de nossa sociedade. Como lutar contra esses gigantes, pelos quais passam as manobras de violência e intolerância que tanto afligem a nossa comunidade como um todo? Lutando com as belas armaduras que os especialistas podem nos emprestar, assim como Saul fez em relação a Davi? Adiantará se eu, um simples pregador, um pensador sobre questões de fé, quiser me valer das armas práticas ou técnicas dos que se tornaram os monitores e executores da luta social contra o estado de violência?
Mesmo que o fizesse, e imaginando que isso trouxesse algum fruto, quem faria o papel de Davi nesse embate? Ou seja, se eu também lutar como eles, junto a eles, quem haverá de fazer o que eles não sabem? Aqui entra o nosso valor, o valor de nossas ações, que aos nossos olhos podem ser mínimas, mas que podem fazer toda a diferença. Sem Davi e sua singeleza de ação, a guerra estaria comprometida. Isso por uma única razão: ele não contava apenas com sua funda e com as pedrinhas de que dispunha. Ele contava, acima de tudo, com a ajuda presente de seu Deus, que é o mesmo Deus dos cristãos, hoje. O Deus que o fez vencer um gigante no passado é o Deus que nos fará vencer gigantes hoje. Sem os cristãos e sua simples vida de devoção e oração o mundo seria muito pior. Mas com cristãos vivendo vida pífia e se esquecendo de suas fundas e pedrinhas enquanto buscam as armaduras que não conseguem vestir, a sociedade deixa de ser melhor do que é. Os especialistas só vêem o visível. Os cristãos militam na área do invisível e do imponderável. Nós oramos e vivemos sob a égide de um Deus que é superior a todos os dilemas que podemos enfrentar em nossa labuta social. Nossas armas são espirituais. Podemos e devemos envidar esforços para que nossa sociedade seja melhor, mas, sendo cristãos, nossas ações serão vagas e sem sentido se não começarmos por deixar de lado nossa pretensão de usar armaduras que não nos pertencem. Precisamos voltar à noção clara de que somos peregrinos neste mundo, de que Deus nos chamou para Si com propósitos bem definidos e que temos algo a fazer enquanto por aqui estivermos. Só que Ele nos chamou primeiro para a vida na esfera do Espírito e, depois, para as demais ações, uma vez estruturados na área espiritual. Esta, sem abandonar aquela, mas a ela submissa.Precisamos, antes de levantar bandeiras e atiçar as flâmulas, parar com tudo o que estivermos fazendo e voltar às velhas práticas de devoção, leitura da Palavra de Deus e incessante oração, com clamor e súplicas pela sociedade e pelo povo massacrado pela violência. Depois de derrubar Golias, quem venceu a guerra foi o povo de Israel. Se os cristãos se unirem em oração, em clamor sincero diante do Pai, alguns gigantes certamente haverão de cair. Depois de ver estes Golias derrubados, a sociedade como um todo será vencedora. Mesmo que ninguém saiba quem foi o Davi desta vez, todos reconhecerão que alguém teve que derrubar o gigante.