quarta-feira, 29 de agosto de 2007

VIVENDO COM DEUS

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Fotos: http://www.flickr.com


Em algum lugar - se em página de papel ou página virtual, não me lembro bem - li o caso de um sujeito que vivia nas montanhas geladas do Canadá. Era um morador que sabia dos perigos naturais e normais que o cercavam, principalmente na época de maior frio, coisa que também era muito comum por ali, além de natural. Ele tinha uma cadela com alguns filhotinhos de não muito tempo e, preocupado também com o bem-estar de seus animais de estimação, fez uma pequena portinhola por onde ela e os filhotes poderiam entrar para o refúgio doméstico em caso de perigo.
Uma certa vez, enquanto os filhotes brincavam com os ossos de um alce morto por ali algumas semanas antes, a mamãe cadela pressentiu a chegada de lobos famintos e chamou os filhotes para o abrigo. Foram todos, menos um, que preferiu ficar sozinho com os ossos só para seu deleite. Chegaram os lobos e, claro, devoraram o filhote. A mãe o chamou, mas ele não fez a sua parte, não obedeceu. E isso o levou à morte.
A moral disso tudo é que conosco também é assim: a vida nos oferece um sem-fim de ossos apetitosos, mas para ter uma vida realmente devotada a Deus precisamos aprender a ouvir a Sua voz de chamado e, rapidamente, obedecê-la. Isso nos dará sobrevivência e vida em paz com Ele.

Viver com Deus não representa apenas ter a intenção de fazê-lo, mas a real condição de estar ao lado de Deus. Ou seja, é mais que querer: é poder estar ao lado dele. Deus é soberano e dita as normas de aproximação íntima. Talvez uma de nossas maiores confusões seja querer viver ao lado de Deus, sendo quem ele é, sem querermos nos dobrar a ele, mas querendo que ele se dobre a nós. Na realidade, parece fazer parte de nossa história relacional com Deus o desejo permanente de que ele se faça mais humano que nós mesmos, a fim de que nossa humanidade se reflita nele. Enquanto isso, muitos têm desejado firmemente se tornar um deus entre os homens. Os gregos antigos, com seu Olimpo, talvez tenham demonstrado isso melhor que nenhum outro povo.
O Deus da Bíblia nos quer como filhos, mas filhos segundo o seu propósito. Não filhos emprestados, ou afilhados de segunda classe, mas filhos com todas as letras, o que representa dizer, também, filhos com todos os direitos. É bem verdade que sempre que se faz referência a direitos é impossível não se refletir sobre os deveres assumidos, o que é muito natural que façamos.
Em tempos pós-modernos, ou tempos pós-cristãos usando uma terminologia muito apreciada e utilizada por Francis Schaeffer, nem sempre conseguimos compreender bem as concretudes, por vivermos em processos de relativização absoluta de valores. Sobre isso seria interessante falarmos um pouco mais, mas creio que ficará para uma próxima ocasião. Mas o fato é que não conseguimos mais pensar em termos absolutos porque tudo para nós deixou de ser absoluto. Tampouco conseguimos categorizar o certo e o errado, pois não entendemos mais o certo e o errado como tais. Aliás, nem nossa habilidade de percepção das diversas possibilidades de análise de um mesmo fato anda clara em nosso intelecto.
Como, então, viver com um Deus absoluto? Como andar com um Deus que mostra que há certo e errado na vida e em nós mesmos? Gostaria de parar um pouco e analisar, mesmo que não em profundidade, algumas disposições e modelos que seriam necessários para vivermos com Deus segundo os padrões dele e não segundo nossa cabeça. O problema, talvez, resida no fato de nós, filhos de Deus e que conhecemos sua Palavra, sermos levados a crer que nossa estatura espiritual está boa, pois, como vimos, não categorizamos mais um monte de coisas como deveríamos.
Por quais razões seria importante analisarmos algo que deveria ser tão natural para nós, filhos de Deus? Creio que por, pelo menos, três delas:
a) Porque nosso coração nos engana todo o tempo (Jeremias 17.9) e com isso podemos pensar que estamos bem, quando vamos mal.
b) Porque se não formos atentos em nossa espiritualidade entraremos por caminho de negligência (Hebreus 6.11-12).
c) Porque temos consciência que lutamos todo o tempo contra forças maiores que nós, forças espirituais do mal, somente debeladas pelo poder de Deus (Efésios 6.12).
Para chegar às disposições e aos modelos, tomei uma pequena parte das Escrituras, encontrada em 1 Pedro 1.13-16, da qual destaco algumas sentenças muito significativas para nossa reflexão e para a obtenção de respostas para nossos corações ansiosos por Deus. Quais seriam as disposições necessárias para que fôssemos re-educados na busca e na convivência íntima com Deus? Ora, com base no versículo 13, posso dizer que há pelo menos três delas:

1. A primeira é a disposição intelectual, com a observação de Pedro “estejam com a mente preparada”. Estar com a mente preparada é uma ordem muito significativa deixada para nós por Pedro, o apóstolo, e representa muito mais que uma simples indicação de conselho. É de fato uma ordem, um imperativo. Isso derruba por completo aquelas velhas lendas do meio cristão que “quanto mais ignorante, mais cheio do Espírito Santo”. O conhecimento de Deus é, de fato, fundamental para defender nossa fé dos ataques externos. Como seremos algo sem conhecimento de causa ou como nos defenderemos sem conhecer nossa fé? Como responderemos aos ataques da carne e do mundo se não tivermos a mínima noção daquilo em que cremos? Agora vem a pergunta de ordem prática: Como alcançamos isso? Estudando, orando e vivendo em comunhão. E isso nos leva a CONHECER.
2. Em seguida vem a disposição prática, quando Pedro nos diz que devemos estar “prontos para agir”. Sabemos que fazer é parte integrante do processo de ensino-aprendizagem e nos leva ao adestramento. Como sabemos, a Bíblia se utiliza comumente de linguagem militar e linguagem desportiva quando fala de nosso preparo e de nossa prontidão. Tanto num caso como no outro, adestramento nos remete a fazer “automaticamente” as coisas que precisamos fazer, sem titubear, sem parar para pensar, mas somos compelidos por repetição a agir em determinadas situações a fim de que as circunstâncias sejam devidamente vencidas por nós naquele momento. Na prática, então, como conseguimos isso? Após aprender - nossa disposição intelectual -, precisamos nos movimentar e trabalhar no Reino de Deus, o nosso Pai. Antes, pode ser precoce e mortal. Depois, pode ser demais e até letal. Isso nos leva a FAZER.
3. A última é a disposição dos sentidos, em que a advertência é para que os filhos de Deus “estejam alertas”. Estar alerta, como sabemos, é a condição básica para a sobrevivência em tempos de perigo, como durante os combates, por exemplo. Somente estando alertas é que podemos perceber a chegada do inimigo e nos antecipar às suas ações contra nós. Mais uma vez Pedro faz alusão aos conceitos militares que por tantas vezes nos são trazidos na Bíblia. Aqui temos uma forte referência ao plano espiritual e à necessidade que temos de manter intactas as nossas condições nesse plano. Ora, como conseguimos isso? Não há outra resposta, a não ser com busca incessante por santidade. A responsabilidade individual não pode ser ignorada por se crer na graça de Deus. E é isso que nos faz SOBREVIVER.
As disposições nos possibilitam estar na estrutura de convivência permanente com Deus e dela usufruir diariamente para nosso crescimento constante. As disposições apresentadas por Pedro dependem muito de nós e de nossa resposta ao chamado por vidas profundas com o Pai. Mais uma vez vemos aqui a consolidação do pensamento bíblico adotado pelo doutrina reformada, no qual recebemos a graça de Deus imerecidamente, e dela nos beneficiamos, mas de forma alguma ela nos permite uma vida de irresponsabilidade pessoal diante do mesmo Deus.

Uma vez tendo nós assumido a necessidade de nos dispormos nas três áreas acima, surge uma outra necessidade, que é a de nos enquadrarmos em pelo menos dois modelos que são requeridos a nós, filhos de Deus, pelo apóstolo Pedro. Para isso, nossas atenções se voltam para os versículos de 14 a 16 do mesmo capítulo. Todas as disposições que vimos passam ou requerem a presença dos dois modelos, que são a validação, se assim posso chamá-los, para que haja uma chancela sobre as disposições. São a formação que compõem os pressupostos, as razões pelas quais tomamos a iniciativa de nos dispormos para conhecer, fazer e sobreviver. Sem esses modelos, corremos o risco de querer vida espiritual sem paradigmas realmente bíblicos.

1. O primeiro é o modelo de obediência, o que percebemos quando Pedro fala de nós “como filhos obedientes”. Entendemos ao longo de toda a Bíblia que obedecer é a chave que abre as portas para Deus. Ele nos determina sua vontade e cabe a nós simplesmente obedecer as suas ordens. Fácil assim. Simples assim. A Bíblia não nos convida a argumentar as ordens de Deus mas, curiosamente, nos permite (e até mesmo convida) a conhecê-las, a desejar obedecê-las e a sobre-viver em função delas. Interessante que a obediência é complementada pelas disposições que aprendemos anteriormente, pois, embora seja nosso papel obedecer, Deus nos chama a fazê-lo de maneira lógica e ordeira. Há uma razão para Deus ter nos dado suas orientações e podemos racionalmente entender que houve motivações sublimes em seu corações para fazê-lo. Deus prefere, inclusive, que obedeçamos a sua vontade a que cultuemos a ele com sacrifícios, como está escrito em 1 Samuel 15.22, e isso é tão intenso que o contrário é considerado “feitiçaria”, ou seja, culto pagão! Quando somos obedientes a Deus refletimos Jesus, obediente até o fim em sua forma humana, o que o faz conscientemente nosso paradigma humano de obediência.
2. O segundo é o modelo de santidade. Pedro nos dá a ordem: “sejam santos vocês também”. Viver em santidade, precisamos entender bem, é viver separado por Deus e para ele, mas jamais quererá dizer que devemos viver isolados do mundo. Não é necessário que nos tornemos monges do deserto para estarmos integralmente separados para Deus, pois ele espera que sejamos capazes de viver separados enquanto estamos em meio ao mundo. Somos peregrinos e não extraterrestres. Devemos ser normais, embora diferentes. Precisamos interagir, mesmo cuidando de não nos contaminarmos. Estar no mundo, no sentido teológico, não significa ser mundano. Se o modelo de obediência passa pelas disposições de que falamos, a santidade é a mola propulsora para que atinjamos de maneira aceitável a idealização maior das mesmas disposições de forma a que Deus as aceite como corretas diante dele. Quando nos lançamos na busca por santidade refletimos o que Jesus nos ensinou, já que ele, em sua forma humana, também foi santo e se tornou nosso paradigma humano de santidade.

Jesus era e sempre será nosso paradigma divino tanto de obediência quanto de santidade, mas ao se fazer um de nós, ele nos mostrou ser possível haver correspondência entre nós e Deus, restaurando a intimidade anteriormente perdida entre Criador e criatura. Ele, que é o único caminho, também é o exemplo para nós seguirmos.

Como já foi dito, os modelos apresentados por Pedro correspondem aos meios pelos quais podemos concretizar as disposições firmadas, as quais só podemos alcançar se seguirmos os modelos de obediência e santidade, coisas que agradam a Deus e sem as quais não poderemos chegar a um nível profundo de relacionamento.
Deus nos quer para si, mas não de forma superficial ou leviana. Ele nos quer como filhos e como amigos, o que nos faz repensar nossa forma de cristianismo até aqui trilhado. Por essa razão, ao final destes pensamentos, talvez seja a hora de pedirmos a Deus forças suficientes para firmarmos junto a ele as três disposições que Pedro nos alerta serem necessárias a nós: buscar conhecimento de Deus, buscar ação no Reino de Deus e buscar sobrevivência espiritual diária. As bases para isso também precisam da ajuda de Deus: precisamos ter vida de obediência e vida de santidade. O que pedir então para chegarmos a esse nível de relacionamento com Deus? Pedir que ele derrame sua graça enquanto nos esforçamos por fazer nossa parte. Quanto à graça, ela é independente de nós, mas quanto ao nosso papel, precisamos de esforço para aprender, fazer e estar alertas a cada dia.

Convite feito, façamos a nossa parte.


Que Deus abençoe você e sua família.

sábado, 25 de agosto de 2007

HERNANI E EU - PARTE II: A RESPOSTA

Texto de Marcelo Gomes,
Seminarista no Rio de Janeiro
Fotos: http://www.flickr.com

Pessoal, depois de uma "livre e espontânea pressão" (rs), resolvi continuar a história do Hernani. Para quem não leu o post "Hernani e eu - Parte I: A Pergunta", sugiro que faça agora, antes de continuar lendo este.

A pergunta que havia sido lançado por Hernani precisava de uma resposta. É impressionante como somos capazes de processarmos inúmeros pensamentos em tão poucos minutos. Todas as vezes que isso ocorre, me lembro que Deus nos fez seres fantásticos e ainda não conhecemos todo o potencial que nos foi dado pelo Criador.

Mas vamos à resposta, afinal é este o tema deste post:
- Somos cristãos reformados!, afirmei sem titubear.

Diferentemente dos minutos anteriores, agora já havia entendido o que o Pai desejava de mim. Quando temos certeza que estamos no centro da vontade de Deus, uma coragem e uma energia sobrenatural se apossam de nós. Certamente é o próprio Espírito nos capacitando.

Pare para refletir comigo, querido leitor. O que esta resposta informa a um não cristão? Ou mesmo aos cristãos nominais, maioria absoluta em nosso país? Nada, isso mesmo, nada. Daí meu "desespero" ao verificar que poderia ter explicado melhor durante todo o trajeto, mas agora restava apenas alguns metros de nosso ponto de desembarque.

Não são poucas as vezes em que nos vemos nestas condições. Olhamos para trás e pensamos o que poderíamos ter feito. Pior quando, como reformados, tentamos justificar nossa irresponsabilidade e desobediência, estufando o peito e dizendo: Se foi assim, é porque não era da vontade de Deus. Sabemos que, em última análise isso é verdade, mas há aqui um grande perigo de jogarmos sobre o plano de Deus, aquilo que ele mesmo planejou para nós - eu disse "nós" - realizarmos.

A esta altura, como se já não bastasse o frio, começou a chover na Tijuca. Enquanto explicava que éramos fruto da Reforma Protestante do século XVI, era interrompido por minha sogra e Gabi, preocupadas em o taxista passar de nossa primeira parada - a casa de minha sogra. Ela desceu. Restavam cerca de 200 metros para nós descermos também.

Talvez você esteja se perguntando se Hernani entendeu a resposta. É impressionante como o Espírito Santo age nestes momentos. Contra todas as perspectivas pessimistas, foi notório que entendeu o suficiente. Percebeu que eu estava dizendo algo diferente de ser "evangélico" (infelizmente no contexto atual, sou obrigado a colocar esta palavra entre aspas), e da mesma forma dizia algo diferente de ser católico romano.

Glória a Deus por isso. Isso é tudo que devemos desejar que as pessoas entendam, pelo menos a priori. Não precisamos explicar, nem mesmo citar Lutero, Calvino e etc. Nossa fé é objetiva, simples e racional. Não devemos temer em explicá-la (Mateus 5.37 e II Timóteo 4.2).

A cerca de 10 metros de nossa parada surgiu a dúvida. Deveria eu explicar àquele homem a razão da nossa fé? Afinal já havíamos chegado a nosso destino. Eu já havia respondido à sua pergunta, estava frio, chovendo e Gabi e eu estávamos cansados.

Mas - ainda bem que Deus sempre permite um "mas" em cada circunstância de nossa vida -, tive a impressão de que deveria continuar. Afinal eu já tinha a certeza de que Deus havia arquitetado tudo estrategicamente para aquele encontro, naquela noite. Havia demorado para eu entender isso, mas uma vez entendido, não havia outra possibilidade senão dizer: eis-me aqui Senhor, faça conforme a Sua vontade.

E, assim, parti para a guerra. É isso mesmo, amado leitor, era necessário partir para a guerra contra aquele simples e simpático taxista. Sei que isso contraria uma comum visão pietista do conceito de crente hoje, onde se deduz (com interpretações isoladas de textos bíblicos) que o crente deve ser sempre pacato e inofensivo.

Vou explicar esta guerra em nosso próximo post (Hernani e eu - Parte III: A Guerra), baseado no conhecido texto de Paulo, escrito à igreja de Éfeso.

Até lá ....
Deus abençoe a todos!!

Sem. Marcelo Gomes

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

A RECONSTRUÇÃO DA NOSSA VIDA EM CRISTO - PARTE 2

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Fotos: http://www.flickr.com


Vou começar este pensamento, que complementa a parte 1 deste assunto, com uma estorinha bem interessante que nos fala de algumas coisas muito boas, como companheirismo, força de vontade, vigor e persistência. Mas também nos fala de algumas coisas ruins, como teimosia e morte. A estorinha das mosquinhas amigas pode ser encontrada em muitos lugares e em muitas versões. Em geral as pessoas contam a primeira parte apenas, que é de fato uma grande lição de vida. Mas a mosca protagonista dela continua numa nova aventura, a segunda parte, a qual também conto abaixo. É mais ou menos assim:

A mosca persistente
Parte 1: Duas moscas amigas voavam pela cozinha quando caíram num copo de leite frio. Uma delas era muito forte e valente, e a outra era muito persistente. Quando perceberam que iriam morrer, começaram a tentar sair dali, mas as paredes do copo eram lisas e não conseguiram escalá-las. Com as asas molhadas, a situação piorou. A mosca forte debateu-se vigorosamente por muito tempo, até à exaustão, quando perdeu os sentidos e afundou para a morte. A mosca persistente batia contra o leite de maneira menos vigorosa, e, por demorar a se cansar, percebeu que no lugar em que estava flutuando formava-se uma leve camada de manteiga. Exausta, conseguiu subir e, depois de secar suas asas, levantou vôo. Essa parte nos mostra a vitória da perseverança sobre a força bruta.
Parte 2: Mas, num outro dia, a mosca persistente voava pela cozinha com outra mosca, sua nova amiga, quando se descuidou e caiu em outro copo, desta vez de água. Com base em sua experiência anterior, começou o processo de bater as asas na esperança de fazer nova porção de manteiga. A sua amiga, que não tinha caído na água, pousou na borda do copo e gritou: “-Amiga, há um canudo ali. Nade até ele e suba”. Ao que ouviu a resposta: “Pode deixar que eu consigo sair daqui igual da vez passada!” Como de água não se faz manteiga, a mosca persistente se debateu até perder as forças, desmaiou e também afundou para a morte.
Moral da estória: experiência é algo bom, mas nem sempre serve para resolver todos os casos.

É muito comum que a nossa vida espiritual tenha altos e baixos e é comum também que enfrentemos inúmeros momentos de desânimo ao longo da caminhada. Por isso mesmo precisamos de redobrada atenção ao que nos acontece, a fim de que tenhamos sempre em mente que Deus já previu determinadas situações e já nos acenou com a solução para elas.
Quando paramos para pensar naquilo que nos desanima, provavelmente nos lembraremos de episódios que colaboraram para a nossa míngua espiritual. Não devemos menosprezar nem as circunstâncias da vida nem o universo espiritual maligno, pois ambos igualmente militam contra nossa fé.
Em meio a lembranças que resgatamos em momentos de crise, certamente nos lembraremos também de quão boas coisas já experimentamos na presença de Deus e nos lembraremos de várias vitórias alcançadas. O problema está em fazer dessas lembranças um apoio e um recordatório da fé sem ultrapassar os limites e imaginar que fatos do passado por si próprios são suficientes para nos livrar de novas lutas. Experiência é muito boa, mas nem sempre serve para dar vitória no presente.
No processo de reconstrução de nossa vida com Deus, é certo que enfrentaremos muitas adversidades. Começamos por imaginar o que acontecia com o povo mencionado no livro de Esdras, especialmente no trecho que me interessa para esta reflexão, no capítulo 3, versículos de 3 a 6. Algo de enorme valor para nosso aprendizado é lermos que eles estavam resolutos a reconstruir altar, templo e muros de qualquer maneira, enfrentando quaisquer oposições. Na primeira parte chegamos a determinadas conclusões sobre o episódio, e uma delas dizia respeito a começar a cultuar a Deus com aquilo que dispomos, ou seja, não podemos de forma alguma esperar o momento mais perfeito e oportuno para iniciar o culto. Se o que temos é um monte de pedras, façamos o altar e comecemos a sacrificar!
Uma vez iniciado o processo de culto individual, no qual se busca o recomeço de um processo junto a Deus, entendemos que é chegada a hora de aproximar ainda mais nossa vida do altar de Deus, aplicando nossos corações ao desejo de Deus. Mas não podemos nos enganar: isso não quer dizer que as coisas simplesmente irão para o lugar sem nenhum esforço adicional.
Precisamos entender alguns princípios que darão vitória e fortalecerão nossos corações, levando-nos à reconstrução de nossas vidas em Deus:
Em primeiro lugar, é necessário estar preparados, pois o processo de reconstrução pode se dar em meio a muitas dificuldades, diante de muitas das quais tememos perecer. Isso pode nos levar a um outro processo interior, o medo de falhar ou o medo de ser vencido pelo que nos cerca. Os hebreus de Esdras estavam reconstruindo as suas porções em meio ao medo que sentiam por tudo que se levantava contra eles. Mas é bom jamais nos esquecermos que a fé cristã não faz de nós super-homens, mas pessoas que sabem que, mesmo com inimigos a nossa volta, o Senhor é e será sempre o maior. Não é a rotina de luta nem o tamanho da mesma ou dos inimigos que mais deve nos impressionar. Antes, nossa atenção deve estar sempre nos feitos e promessas do Senhor Deus, o único Deus do Israel de Esdras e da Igreja de hoje. Qual seria a motivação maior para que nossa operosidade no momento da reconstrução não cessasse? As dificuldades que surgem ao nosso redor têm uma só finalidade, que é paralisar nossas iniciativas espirituais. O que precisamos é ter certeza absoluta que, a despeito das lutas e das circunstâncias, Deus continua sempre adiante de nós, zelando por nós, cuidando para que sejamos reconstruídos em sua presença.
Na linguagem do texto lido, esse momento deve obrigatoriamente permitir duas coisas: o altar precisa ser concluído conforme a ordem de Deus e o culto precisa começar de acordo com o que Deus deseja. Isso significa que não basta reconstruir algo esteticamente, mas é necessário fazê-lo espiritualmente, ou seja, de acordo com o que foi previamente estabelecido por Deus como altar e como culto. Por maior e mais “sincero” que seja o sacrifício, se estiver sobre altar que não segue o modelo de Deus ou se for dedicado num culto fora dos padrões do Senhor, ele será rejeitado por Deus. Precisamos, portanto, concluir a reconstrução do altar e reiniciar o culto, mas isso só servirá para nossa reconstrução interior se estiver nos padrões de Deus.
Por sua vez, a retomada do culto que agrada a Deus segue uma ordem vista no texto:
1. primeiro o culto imediato e pessoal - estes são expressos no texto como os sacrifícios da manhã e da tarde. Ou seja, são aqueles que podemos apresentar a Deus em todo o tempo, sem depender de estarmos reunidos. São sacrifícios de louvor individuais, pessoais, que fazem parte de nossa responsabilidade de vida cristã.
2. depois, o culto congregacional - somente depois que o indivíduo é restaurado ele pode entender o que realmente representa cultuar em comunidade. Antes disso, ele pode estar junto, cantar junto e até orar junto, mas não consegue entrar no processo de culto a Deus, que pode ser:
· a grande celebração, como a festa das cabanas, em que o povo se reunia uma vez por ano e
. o culto sistemático da comunidade, como os holocaustos regularmente oferecidos a Deus.
O que isso nos diz hoje? Isso nos responde algumas perguntas, em geral feitas quando temos algum tipo de problema ainda não resolvido em nossa espiritualidade. Respostas possíveis: O cristianismo não prevê o culto individual permanentemente; A comunidade cristã foi estabelecida por Deus e, mesmo que nela haja problemas (e há muitos), ela representa a comunidade dos santos; A presença nas celebrações comunitárias é de fundamental importância para a vida com Cristo.
Fechamos esta reflexão pensando juntos: por qual razão a reconstrução do templo vem depois da reconstrução do altar, se este deveria estar dentro daquele? Usando nossa analogia com o que foi dito, interpretamos a mesma pergunta assim: porque a comunidade é reconstruída depois do indivíduo se este deveria estar dentro dela? Ambas as respostas nos levariam a uma só sentença: Deus nos trata como indivíduos e não por lote. Para nada servimos se estamos inseridos no contexto congregacional, mas temos a nossa vida embotada pelas práticas do mundo e se ainda não acordamos para a obra de reconstrução de nossa espiritualidade cristã. O indivíduo vale muito mais que a coletividade, pois Deus nos chama e nos conhece pelo nome. Mas é inegável que ele deseja muitos indivíduos como eu e você para que, depois de restaurados, formemos uma coletividade. Da mesma forma podemos pensar que a reconstrução do templo, ou da coletividade, depende previamente de nossa reconstrução individual. Ora, a Igreja é composta de gente salva, gente reconstruída. Os alicerces do templo somente serão lançados depois do altar e do sacrifício de cada um de nós.Que esses pensamentos baseados na Bíblia e num relato de reconstrução nos levem a buscar de fato a reconstrução de nossa espiritualidade. Que isso nos estimule a cultuar a Deus mesmo que se levantem muitas e terríveis dificuldades e oposições. Mesmo que sintamos medo e pavor, precisamos confiar em Deus. Precisamos ter coragem para sair do lugar de conforto aparente e ir em direção a algo novo, entendendo que nem sempre o sucesso de construções passadas representarão o sucesso na atual reconstrução.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

PENSAMENTOS SOBRE PAIS E FILHOS

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Fotos: http://www.flickr.com

Pai pode ser aquele que passa a vida a nos sustentar, aconselhar e, muitas vezes, nos suportar. Mas, para alguns, parece que chega um dia em que isso simplesmente é esquecido.
Oscar Wilde foi um autor irlandês que viveu entre 1854 e 1900. Teve vida conturbada e infeliz. Nasceu em lar protestante, teve educação esmerada, fundou um movimento chamado Esteticismo (em resumo, dizia que o belo seria o antídoto contra as mazelas da sociedade industrial que se firmava), tornou-se célebre pensador, autor e, principalmente, dramaturgo. Foi autor de apenas um romance, mas de grande sucesso, “O retrato de Dorian Gray”. Casado com Constance, da alta sociedade de Dublin, foi pai de Cyril e Vyvyan, para os quais chegou a escrever obras de dramaturgia.
Mas a partir de 1895 entra em profundos e sérios problemas, os quais o acompanhariam até à morte. Nunca mais recuperaria os seus anos de glória e prestígio. Acusado e condenado por suas práticas homossexuais, constavam das acusações a prática do obsceno e da sodomia com diversos rapazes. Dois anos depois sai da prisão. Enfermo e sem prestígio, deixa-se levar até ao fim de seus dias. Wilde estabeleceu obra ampla em gêneros, tendo escrito novelas, poemas, contos infantis, romance e teatro.
Oscar Wilde deixou o seguinte pensamento sobre pais: “No início, os filhos amam os pais. Depois de um certo tempo, passam a julgá- los. Raramente ou quase nunca os perdoam”.
Não fica claro para nós se ele fala de seu pai ou da relação universal entre pais e filhos. Mas é certo que em todas as reflexões que tecemos a nossa experiência de mundo como indivíduos vem à tona.
Sendo essa a posição dele em relação ao seu pai, resta-nos pensar quão difíceis terão sido os momentos relacionais entre ambos. Provavelmente seu pai nunca o perdoou, por nunca, talvez, haver aceitado suas posições, principalmente para fins de século XIX. Digo talvez por não conhecer relatos sobre a relação de ambos, o que me deixa, infelizmente, sem bases melhores de posicionamento sobre a questão. Mas, é bom lembrar, a sua obra foi abundante e coloca-se como uma das preciosidades da cultura Ocidental.

Mudando um pouco, lembro-me de uma colocação feita por um outro grande vulto do pensamento Ocidental, Bertrand Russell, quando ele diz de maneira muito clara, colocando-se como resposta possível a Wilde (ou ao pai dele): “Os nossos pais amam-nos porque somos seus filhos, é um fato inalterável. Nos momentos de sucesso, isso pode parecer irrelevante, mas nas ocasiões de fracasso, oferecem um consolo e uma segurança que não se encontram em qualquer outro lugar”.
Bertrand Russell também era britânico, mas da Inglaterra. Sua longa vida foi entre 1872 e 1970. Destaca-se como um dos maiores filósofos, matemáticos e lógicos de nossa História, tendo produzido em quase todo o século XX. Foi, inclusive, prêmio Nobel de Literatura em 1950, principalmente pela sua defesa à liberdade de pensamento. Seus pais eram membros da mais destacada estirpe da aristocracia londrina. Diferentemente de Wilde, Russell era filho de um ateísta que se resignou com o romance de sua mulher com o tutor dos filhos.
Sua vida foi pautada sobre casamentos desfeitos, filhos diversos, prisão por se negar a combater na I Guerra Mundial, nomeações públicas anuladas por sua aberta oposição ao cristianismo (mesmo tentando vaga como docente numa instituição cristã americana). Bertrand Russell foi um típico habitante do Ocidente pós-crise do Liberalismo de meados do século XIX, o que costumamos pensar como sendo o Fin-de-Siècle que assolou o mundo Ocidental e continua a fazê-lo até hoje. Fragmentado em suas relações éticas, deixa-nos uma série de arrazoamentos que ele mesmo denominou de código de conduta. Também aí foi anticristão, pois suas posições relativizantes não nos permitem ver nelas nenhum ponto da cosmovisão cristã. Também aqui é bom lembrar: a sua obra é vasta e importantíssima para a cultura Ocidental.
Gostaria de pensar um pouco sobre ambas as afirmativas desses grandes vultos. Parece que não se encaixam entre si, dadas as características tão adversas em que são postas no papel. Ao que tudo indica a relação entre os filhos Wilde e Russell não foram lá grandes coisas. Não sei qual a idade de Wilde quando seu pai morreu, mas Russell tinha apenas quatro anos. A posição de seu pai em relação ao adultério de sua mãe pode ter influenciado seu parecer sobre ele. Quanto ao primeiro, talvez a posição ética e religiosa o tenha afastado. Mas parece-me interessante que as frases de ambos indicam posições tão diferentes, opostas quase.
Wilde vai do amor ao julgamento e, deste, ao não-perdão. Isso transparece desamor e sentimentos enterrados no mais profundo da alma. Tudo isso, provavelmente, por ter tido sua vida e seus atos de filho julgados pelo pai. Podemos julgar e não perdoar por sermos advertidos ou julgados? A relatividade dos pressupostos, ou a ausência dos mesmos se manifesta claramente em episódios assim, nos quais as medidas e os pesos são relativizados em função da balança onde são postos. Será o julgamento de um pai sobre os atos de seu filho um desamor ou um ato de amor orientador? Mas terá sido a sua forma adequada? Perguntas que são de difícil resposta...
Já Russell nos fala de outra relação, aquela em que o amor do pai nem sempre é notada. Sabemos que está lá, mas não damos muita atenção até que soframos algum revés circunstancial e precisemos provar (nem sempre apenas ouvir) as ações amorosas de nossos pais. E ele coloca esse amor como sendo algo ímpar. De que pai falaria Russell? Do seu, morto quando ainda era ele uma criança? De si mesmo em relação aos seus filhos, externando aqui a sua visão da paternidade a partir de seus próprios sentimentos? Da relação universal entre pais e filhos? Tampouco aqui é fácil saber...

Mas, por mais que amemos nossos filhos, seremos sempre pais imperfeitos. No entanto, viro-me agora para os escritos que o único pai perfeito deixou aos seus muitos filhos. Ele nos deixou uma série de alusões a si mesmo como sendo pai. Não um pai qualquer, mas um pai que ama incondicionalmente, um pai que dá seu mais precioso bem por nós, um pai que se torna acessível a nós para que nós cresçamos nele. Gentil, amável e cheio de compreensão. Em seus textos, ele nos dá uma série de sugestões que teriam feito muito bem a Wilde e a Russell que, estou certo, conheceram bem o seu conteúdo, mas aparentemente não seguiram nem os conselhos nem suas sugestões de paz relacional entre pais e filhos.

Primeiramente alguns conselhos para os pais:
“Pais, não irritem seus filhos, para que eles não desanimem” (Colossenses 3.21) e “Pais, não irritem seus filhos; antes criem-nos segundo a instrução e o conselho do Senhor” (Efésios 6.4). Por duas vezes o Pai, o Deus cristão, nos fala - a nós, pais: “não irritem seus filhos”. Ele o faz por pelo menos uma razão: “para que eles não desanimem” e também dá pelo menos uma boa forma de evitar esse desânimo: criar nossos filhos “segundo a instrução e o conselho do Senhor”, que é o próprio Deus. Infelizmente estar numa comunidade cristã não nos torna mais aptos a determinadas coisas até que as enxerguemos devidamente e peçamos a Deus que nos ajude nessas áreas. Isso digo referindo-me ao pai cristão de Wilde e, por tabela da cultura londrina, possivelmente também ao de Russell. Mas, deixando de apontar o dedo para os outros, os da História, será que podemos nos olhar no espelho enquanto lemos esses pequenos trechos das Escrituras? Quais teriam sido as relações dos pensadores citados com seus pais se estes, quem sabe, não os tivessem irritado, nestas nossas suposições e pensamentos, mas, antes, os tivessem instruído e orientado segundo os pensamentos do Senhor? De certa forma a colocação de Russell se aproxima da máxima divina. Deus nos ama por sermos seus filhos e ponto final. Ele ama a todos com seu amor amplo e gracioso, que nos dá a sobrevida e a continuidade de nosso respirar. Mas é inegável que o amor por seus filhos é de particular cuidado.
Em seguida, alguns conselhos para os filhos:
“Filhos, obedeçam a seus pais em tudo, pois isso agrada ao Senhor” (Colossenses 3.20) e “Filhos, obedeçam a seus pais no Senhor, pois isso é justo. ‘Honra teu pai e tua mãe’ - este é o primeiro mandamento com promessa - ‘para que tudo te corra bem e tenhas longa vida sobre a terra’” (Efésios 6.1-3). Também aqui por duas vezes o conselho “obedeçam a seus pais”. Razões? “Isso agrada ao Senhor” e “isso é justo”. E as conseqüências imediatas, quais seriam? Ter tudo correndo bem em sua vida e ter uma esperança de longevidade, ou seja, vida longa. Se antes pensamos que talvez os pais não tenham sido o que poderiam ou deveriam, agora me pergunto, terão os filhos Wilde e Russell seguido orientações como as que estão acima? Terão sido capazes de obedecer seus pais e com isso terem satisfeito o coração de Deus? Se o fizeram, o que não parece ter acontecido pelas próprias amostras de vida de ambos, não o fizeram conscientes de que com isso tornariam suas vidas melhores e agradariam a Deus. Aqui já é o pensamento de Wilde que destaco, pois, diferentemente de Russell, ele fala de filhos, como um filho.

Mas há um outro conselho, para pais humanos se tornarem filhos espirituais do pai celeste e para filhos humanos não serem mais apenas filhos humanos de pais humanos, mas também filhos espirituais do pai celeste.
O caminho que a Bíblia nos apresenta é aquele no qual Deus utilizou um paradigma eterno para nos chamar à filiação a ele. Jesus é chamado de Filho de Deus. Portanto, ele já tinha uma relação de amor com um filho, um filho perfeito que chegou a se dar à morte por causa de muitos outros filhos que já estavam no coração do pai eterno, mas que ainda precisavam ser adotados como filhos - e com todos os direitos. Talvez uma das mais intensas razões para concluirmos isso é o fato de que somente filhos poderão render a glória que é devida a Deus, o pai. Por isso ele queria que fôssemos como seu outro filho, o primeiro deles, que é Jesus. É por isso que Paulo diz que “Aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou” (Romanos 8.29-30). Essas são palavras de conforto para aqueles que ouvem a palavra expedida por Deus e simplesmente as entendem. São esses que se tornam, por adoção, esses filhos que Deus tem à semelhança do próprio Jesus. Não uma semelhança física, mas de espírito e de amor relacional. Isso também nos conforta - e muito -, pois tais palavras se dirigem a nós da seguinte maneira: “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Romanos 8.28). Portanto a dica número 1 é não resistir ao chamado interior de Deus, mas, uma vez ouvido e entendido, entregar-se nas mãos de Deus, passando da categoria de um ser criado por Deus sobre o qual vai um amor amplo e geral dele à categoria de um filho de Deus, adotado por ele, e sobre o qual vai um amor específico somente destinado aos filhos.
Como é que isso acontece, na prática? É bem fácil. Aliás, tão fácil que a maioria das pessoas tende a não crer e começa a complicar a relação possível com o pai celeste. O pai enviou seu filho, o paradigma ideal, para ser não apenas o salvador, mas para ser reconhecido por todos aqueles que compusessem o total dos filhos de Deus. Por isso é que o próprio Jesus nos ensina essa verdade da seguinte maneira: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas”, “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas” e “Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (João 10.11,14-15, 16). Dica número 2: se Deus o chamar, você saberá que é ele quem chama através de Jesus. Então, junte-se imediatamente ao rebanho. Essa é a condição para a filiação a Deus.
A última consideração que faço nestas linhas: só há um meio de nos tornarmos, além de filhos de algum pai terreno, filhos também do pai celeste, o qual é através de Jesus. Sim, o mesmo Jesus que é o filho unigênito de Deus, o pai. É dele que João fala, chamando-o de Verbo ou de Palavra, quando diz que apenas por meio da fé nele é possível nos tornarmos filhos de Deus. Diz ele: “Aquele que é a Palavra estava no mundo, e o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne nem pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus” (João 1.10-13). Sem mais nada a dizer, vai a dica número 3: Receber e crer em Jesus é um privilégio. Não tente não o receber nem descrer se o seu coração pede que creia e receba o filho de Deus. Antes, torne-se participante da mesma filiação e simplesmente deixe-se conduzir ao centro desse chamado.

Voltando aos nossos amigos Oscar Wilde e Bertrand Russell, talvez tenha lhes faltado sentir tais coisas com relação a Deus, o pai, em condução de suas almas aflitas ao filho, Jesus. Mas nós, filhos de Deus, que certamente temos muitíssimo menos a conferir acadêmica e intelectualmente ao mundo Ocidental - talvez a todo o mundo, temos algo a oferecer que eles, infelizmente, não puderam oferecer (pelo menos até onde sabemos de suas histórias): temos a identificação de filhos de Deus, simplesmente por termos ouvido e percebido um chamado paterno superior a tudo o mais neste mundo.

Com isso, encerro. Penso apenas que muitas vidas que poderão ler estas linhas poderão se tornar muito mais brilhantes que vultos como Wilde e Russell. Creio também que muitas pessoas comuns poderão ouvir o chamado à filiação ao lerem estas linhas tão simples e despretensiosas. Estou seguro ainda que todos aqueles que se dispuserem a ser filhos de Deus consoante o chamado que receberem jamais se arrependerão - e isso vale por toda a eternidade.
Meu conselho pessoal, com base em tudo é: Filhos humanos, amem seus pais humanos com todas as forças e tornem-se filhos espirituais do pai celeste, amando-o acima de tudo. Pais humanos, amem seus filhos humanos com todo o respeito, sem jamais os irritarem e tornem-se também filhos do pai celeste, vivendo em amor a ele sobre todas as coisas.

Que Deus abençoe todos os pais e todos os filhos.
Pr Joel Theodoro, pelo dia dos pais de 2007.


Alguns dados estão disponíveis em:
Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, Editora Vida
Manual de Teologia Sistemática de Wayne Grudem , Editora Vida
http://pt.wikipedia.org/wiki/Oscar_Wilde
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bertrand_russell

Sugiro as seguintes leituras paralelas:
A busca da moral, Stanley Grenz, Editora Vida
A corrosão do caráter, Richard Sennett, Editora Record
A indiferença pós-moderna, Ronaldo Lima Lins, Editora UFRJ
O caminho do coração, Ricardo Barbosa, Editora Encontro
Pense biblicamente, John MacArthur, Editora Hagnos
Tempos pós-modernos, Gene Edward Veith Jr, Editora Cultura Cristã

Verdades do evangelho x mentiras pagãs, Peter Jones, Editora Cultura Cristã
Viena Fin-de-Siècle, Carl Schorske, Companhia das Letras

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A VERDADEIRA PAZ

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Fotos: http://cognosco.blogs.sapo.pt/ e http://www.amoremlinks.net/


A trégua de Natal de 1914:
A incrível trégua não oficial em 25 de Dezembro de 1914.

"Não há a menor dúvida de que realmente aconteceu - a trégua de Natal não oficial de 1914 - mas até hoje, muitas pessoas não estão totalmente a par dos detalhes e extensão deste notável hiato na guerra, que ocorreu durante aquelas poucas horas do quinto mês do primeiro ano de conflito.Para a maioria das pessoas, a trégua foi observada pelos britânicos e alemães na parte mais ao sul do saliente de Ypres, na Bélgica. Entretanto, ela ocorreu em vários outros pontos do Front Oeste e por outros combatentes, notadamente os franceses e belgas, embora o fato que os alemães estavam situados em território francês ou belga inibiu qualquer grande demonstração de boa vontade para com os oponentes alemães."
Assim começa a narrativa de um interessante site que trata dos episódios de guerra, com especial destaque para as grandes guerras mundiais. E continua, pois temos notícias posteriormente colhidas de que os fatos são realmente verdadeiros. O lugar em que se passa a maior parte dos relatos é um lugar chamado sugestivamente "Terra de Ninguém", um labirinto de trincheiras escavadas no meio da Europa de início de século XX, bem quando as correntes do pensamento humano imaginavam que a evolução social e interior do homem poderiam levá-lo à paz.
Tropas alemãs de frente a tropas britânicas. Frio, chuva e temor invadindo a alma daqueles homens cuja missão lhes era superficialmente revelada. Tinham família, casas, interesses pessoais, mas tudo estava em perigo iminente por causa do conflito de grandes proporções. A narrativa continua:
"Muitos soldados alemães tinham, como era seu costume na véspera de Natal, começado a montar árvores de Natal, adornadas com velas acesas – com a exceção que, desta vez, foram posicionadas ao longo das trincheiras do Fronte Oeste. Inicialmente surpresos e, então, desconfiados, os observadores britânicos reportaram a existência delas para os oficiais superiores. A ordem recebida foi que eles não deveriam atirar mas, em vez disso, observar cuidadosamente as ações dos alemães.A seguir foram ouvidos cânticos de Natal, cantados em alemão. Os ingleses responderam, em alguns lugares, com seus próprios cânticos. Aqueles soldados alemães que falavam inglês então gritaram votos de Feliz Natal para “Tommy” (o nome popular dos alemães para o soldado britânico); saudações similares foram retribuídas da mesma maneira para "Fritz".
Em algumas áreas, soldados alemães convidaram "Tommy" para avançar pela "Terra de Ninguém" e visitar os mesmos oponentes alemães que eles estavam tão absortos em matar poucas horas antes".
...
"O mais notável de tudo foi, talvez, a história da partida de futebol entre o regimento inglês de Bedfordshire e as tropas alemãs (alegadamente vencido por 3-2 pelos últimos). O jogo foi interrompido quando a bola foi murchada após atingir um emaranhado de arame farpado. Em muitos setores a trégua durou até a meia-noite de Natal; enquanto em outros durou até o primeiro dia do ano seguinte".
Infelizmente, como sabemos, essa paz não durou mais que uma noite ou, em alguns casos, alguns poucos dias. A paz humana, em sua ordem geral, segue esse mesmo modelo: suspensão de circunstâncias conflituosas por algum período, cujo fim não tarda em chegar, seja por horas, alguns dias ou poucos anos.

Fonte de pesquisa: site Grandes Guerras (http://www.grandesguerras.com.br).
__________
Sabemos por experiência própria que uma das mais antigas aspirações humanas é a vida em paz. Ele passa a vida inteira procurando ter paz com o que o cerca e, o mais dramático, em paz consigo mesmo. Paradoxalmente, a busca pela paz leva o homem a viver uma das mais antigas e intensas frustrações a que a raça humana se submete desde tempos imemoriais.
Precisamos nos perguntar, portanto: Que tipo de paz buscamos? O versículo 23 do texto de João 14 nos ajudará a obter a resposta certa, a qual nos servirá como parâmetro para sair do processo de busca e alcançar a verdadeira paz.
Todas as formas de paz que o homem pode alcançar por seus próprios meios será sempre uma paz passageira e fugaz, mesmo que dura alguns anos ou mesmo toda uma era. Afinal de contas, o que são períodos de tempos assim se comparados aos processos eternos? A Pax Romana, os armistícios, situações modernas como a do Iraque e tantas outras coisas só poderiam nos levar à conclusão que, por mais intencionados que estejamos, a nossa paz, aquela que alcançamos por nossos esforços, terá um final.
Entender o que Jesus diz é fundamental para nossa jornada de paz. No trecho de João, vemos que Jesus não se dirige a quaisquer pessoas, mas especificamente àquelas que são morada dele. Ele fala a pessoas que estão inseridos no contexto de filiação, o que representa um requisito prévio para a obtenção da paz verdadeira. Com isso, quero dizer que ninguém, a menos que seja participante da vida de Cristo, poderá usufruir paz verdadeira neste mundo. Vejamos que há duas características de pessoas mencionadas pelo evangelista, e são elas os que amam Jesus e os que obedecem suas determinações.
Obedecem a Jesus

Entendemos pelas Escrituras que há apenas uma possibilidade para se obter a verdadeira paz: em Jesus (27)
Se lermos novamente o texto da Trégua de Natal de 1914, veremos como aquilo representou esperança de paz, seja para toda a coletividade, seja para os indivíduos envolvidos. No entanto, o que de fato precisamos não se resume a algumas horas sem tiros, mas toda a vida presente em estado de tamanha proximidade com o Pai que a nossa vida se sinta repousada de tudo que é problemático que há em redor de nós.
Por isso, é bom que entendamos que Jesus nos deixa a paz - Jesus não veio nos oferecer uma paz qualquer, como a de apenas uma noite de Natal: mas A paz. A única capaz de tirar as mazelas do coração humano e lhe aplicar respostas nunca antes imaginadas. Essa é a mesma paz de Filipenses 4.7, que vai além do entendimento e que guarda nosso coração (sentimentos) e nossa mente (intelecto).
Jesus nos deixa a paz. Pelo fato de ele ter ido ao Pai, sua paz "ficou" (como fruto de sua promessa) para os que o amam e lhe obedecem. É uma espécie de conseqüência que acompanha todo o que nele crer, fazendo parte dos benefícios herdados da salvação pessoal.
Ele nos dá a sua paz - Além da paz geral de sua promessa, há uma outra parcela de paz, particular, dele mesmo: "a minha paz". Não bastando ter nos deixado a paz, Jesus ainda nos presenteia com a sua paz, como se fosse algo particular e peculiar, pertencente a ele e que ele faz questão de passar para nós. É uma ação pessoal de Jesus, que reparte entre nós não apenas pães e peixes, mas a sua paz. De onde lhe viria a paz que nos oferece senão da cruz em que foi pendurado? O gesto de conquista é dividido conosco!

Quais seriam então os resultados imediatos da paz verdadeira? São três:
1. Ter paz real, o que parece redundante, mas não o é, haja vista haver Jesus se dirigido diretamente àqueles que já o conhecem, que vivem a sua paz verdadeira mesmo em meio às inúmeras lutas da vida; 2. Ter uma paz que nos leva a viver sem perturbação no coração (área dos sentimentos). O significado do termo bíblico "coração" mais conhecido de todos é a área dos sentimentos humanos. Enquanto alguns povos criam que os sentimentos estavam no fígado ou no estômago, os antigos hebreus atribuíam ao coração os sentimentos humanos. Portanto, Jesus nos oferece vida sem perturbação em nossos corações, o que representa dizer sem perturbações emocionais. 3. Ter uma paz que nos faz viver sem medo do que está ao redor. Essa também é uma conseqüência direta de se alcançar a paz verdadeira em Cristo. Por qual razão temeríamos se Jesus mesmo nos presenteou com sua gloriosa paz?

O que precisamos fazer:
Pedir a Deus a capacidade de amar Jesus e obedecer a sua palavra da maneira cristã e bíblica;
Dedicar sua vida à satisfação do amor de Deus expresso no sacrifício de Jesus na cruz do Calvário;Falar com Deus sobre essas coisas se perceber que esse é o seu momento em que está sendo chamado para se aproximar de Deus.

domingo, 5 de agosto de 2007

A RECONSTRUÇÃO DA NOSSA VIDA EM CRISTO - PARTE 1

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Fotos: http://www.flickr.com



Não sei se todos se lembram , mas nos anos 80 e 90 havia por toda parte uma verdadeira febre de se aprender e aplicar tudo que fosse relacionado aos princípios de Controle Total de Qualidade ou Total Quality Control, o TQC. Quem não soubesse do que se tratava, simplesmente estava fora de moda, fora do mercado e fora de quaisquer conceitos avançados de gestão e busca por perfeição administrativa.
Pois bem, eu trabalhava numa empresa de aviação comercial naqueles tempos. Eram tempos melhores, com menos empresas, mais carinho no ar e menos tombos ao chão. Ainda era um sonho voar, fosse como passageiro, fosse como tripulante, que era o meu caso. Os pesadelos da aviação comercial ainda estavam por vir no Brasil.
Sendo parte do staff de treinamento e reciclagem de tripulantes, vi-me na situação de ter que aprender os conceitos básicos da Qualidade Total para me tornar um palestrante interno do processo que se pretendia implantar na companhia. Aí vem minhas lembranças que me servem de ilustração para esta reflexão, pois duas delas eram recorrentes e presentes em quase todas as palestras. Lacrimogêneas, emotivas e cheias de significados a serem utilizados, eram apresentadas por nós nos então modernos vídeo-cassetes de 4 cabeças auto-limpantes. São assim as estórias:
A estrela do mar

É a narrativa que fala de uma praia num belo amanhecer, na qual havia centenas - talvez milhares - de estrelas do mar que haviam sido lançadas na areia pelo mar. Uma pessoa que vem ao longe divisa uma outra pessoa fazendo algo e resolve se aproximar. Ao chegar, percebe o que aquela fazia: pegava as estrelas, uma a uma, e as lançava de volta ao mar. O interlocutor diz então: “o que está fazendo?” ao que o outro lhe responde: “estou salvando estrelas do mar”. Atônito diante dos fatos, o primeiro retruca: “mas há milhares delas; jamais salvará todas elas; isso não fará a mínima diferença”. Finalmente o benfeitor diz: “mas fez diferença para esta aqui”. E encerrava o filme lançando mais uma ao mar. Já ouvi e li muitas vezes essa narrativa, com praias diferentes e muitos personagens se alternando. Já vi o benfeitor sendo encarnado por velhinho, pescador, índio, e muito mais. Mas a linha geral é sempre a mesma.
O pedreiros

A outra estória conta de um sujeito que passeava por alguma parte da Europa medieval quando se depara com dois pedreiros trabalhando na mesma obra, construindo cada qual uma espécie de parede, pondo tijolo sobre tijolo. O curioso passante pergunta ao primeiro: “o que está fazendo?”. Grosseiramente o pedreiro lhe responde: “Não pode ver? Pondo um monte de tijolos encima de outro monte de tijolos”. Sem graça, o curioso segue até próximo ao segundo pedreiro e lhe pergunta a mesma coisa. A resposta, desta vez Cortez, veio assim: “Ora, pode não parecer, mas estou fazendo uma parede. Pode ainda não parecer, mas ao final da grande obra, aqui haverá um castelo. E eu, amigo, terei feito parte desta maravilhosa obra”. E o pedreiro continuava absorto em sua grande empreitada.

Embora tenhamos nos acostumado à visão maquiada dessas pequenas estórias, é possível tirar delas algumas lições para nossas vidas, principalmente se falarmos do processo de reconstrução em que muitas vezes nos vemos mergulhados. Falo, é claro, da nossa espiritualidade. Freqüentemente nos sentimos desanimados e sem capacidade de relacionar nossa vida ao que Deus no propõe como forma de viver em consonância com sua vontade. Nesses momentos, é comum nos perguntarmos bem no fundo do nosso coração se ainda é possível e como fazer para restaurar a nossa fé? Como poderemos passar por cima de tanta coisa que vemos ao nosso redor e que nos desanima, coisas que já minaram parte da nossa alegria de viver?

O trecho que utilizei para esta reflexão está em Esdras 3.1-6 e traz a história, esta sim verdadeira, de quando os hebreus estavam como escravos em terras distantes da sua de origem. Não estavam por lá por descuido ou negligência divina, mas aquilo fazia parte dos atos soberanos de Deus, que age sempre de maneira justa, mesmo quando não compreendemos de imediato.
Mesmo quando veio a permissão real, os hebreus não dispunham de meios adequados para reconstruírem os muros de Jerusalém, o templo para o culto a Deus, a cidade de Jerusalém nem o altar de sacrifícios. Mesmo assim eles fizeram o melhor que podiam. Deus ouviu as orações e o choro de seus corações e providenciou todos os meios materiais, humanos e políticos para as obras de reconstrução.
A primeira grande lição que tiro do trecho destacado dos versículos 1 e 2 é que para restaurarmos a nossa vida com Deus é preciso estar e viver em unidade. Isso se evidencia no texto de três maneiras:
1. o povo de Deus se reuniu - e vemos aqui a aplicação de que a fé cristã não prevê a vida solitária. Deus nos fez para viver em comunhão, mesmo com as pessoas mais difíceis, muitas delas encontradas dentro do Reino de Deus;
2. como um só homem - entendemos para nós hoje ainda que Deus não quer ajuntamento físico apenas. Multidão por multidão, há muitas maiores que aquelas que se reúnem para o adorar e nem por isso trazem alegria a Deus. Ele quer mais: a unidade intelectual e espiritual, como se fôssemos todos uma só pessoa;
3. em Jerusalém - para nós isso quer dizer que há um lugar especial para termos o senso de unidade. Esse lugar começa em nossos corações e se manifesta na comunidade dos salvos, na Igreja do Senhor.
A segunda grande lição que me vem nesse texto é que precisamos cultuar já de acordo com suas possibilidades. Aqui talvez as ilustrações do início se encaixem melhor: o que posso fazer de melhor agora? É salvar uma estrela que seja? É assentar um tijolo na esperança de uma grande obra amanhã? O trecho me ensina que podemos, de imediato:
1. levantar o altar a Deus - há algo a reconstruir em nós, que é o “lugar” dentro de nós que está arrebentado. Reconstruir o altar significa reaver a possibilidade de sacrificar a Deus. Isso quer dizer que precisamos reconsiderar as condições em que tenho cultuado a Deus e se isso lhe tem sido um culto verdadeiro;
2. prestar culto a Deus (sacrificar holocaustos) - Deus exige de nós o culto racional, com inteligência e espiritualidade aliados para a sua glória. Precisamos pôr o nosso sacrifício sobre o altar de Deus. Isso quer dizer que Deus espera uma determinada oferta de nossa parte, que entendemos ser, em geral, um coração contrito que esteja disposto a adorar a Deus em espírito e em verdade, sem olhar as circunstâncias, mas desejando apenas fazer o melhor possível por quem fez o impagável em nosso favor;
3. da forma que Deus quer - Prestar culto a Deus, sim, mas Deus não quer nem aceita qualquer culto. Deus não quer receber culto de qualquer jeito. Ele tem uma forma de culto prescrita e é assim que ele quer ser adorado. Para Deus não serve um culto misturado, nem à nossa maneira. Ele prevê liberdade, mas isenta de libertinagem. Acesso a ele em todo o tempo, mas com reverência e o respeito devidos ao Rei supremo.

Com essas considerações, fica uma reflexão prática: Onde a sua espiritualidade está arranhada? Em que ponto o altar do seu coração foi quebrado? Por causa dessas perguntas, vem o convite para uma sincera tomada de decisão de nossa parte:
1. Vamos clamar a Deus por capacitação sobrenatural para a boa obra que ele tem em nossa vida;
2. Vamos buscar meios de viver em unidade em meio ao povo de Deus;
3. Vamos nos propor a iniciar ainda hoje um processo de culto a Deus com o podemos fazer hoje, mesmo que ainda não seja o ideal.


Que Deus abençoe você e lhe dê os meios de reconstruir sua vida com ele.

HERNANI E EU - PARTE I: A PERGUNTA

Texto de Marcelo Gomes,
Seminarista no Rio de Janeiro
Fotos: http://www.flickr.com




Olá pessoal, estréio no blog contando-lhes uma história real ocorrida após um de nossos cultos no Centro da cidade.
Naquela noite de inverno no Rio de janeiro, havíamos planejado retornar à Tijuca de metrô, fato comprovado pela compra antecipada dos bilhetes de volta. Contudo, como você sabe, o coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa vem do Senhor (Pv 16.01). Isso não foi diferente naquele inesperado final de dia.

A proposta de voltar de taxi surgiu e imediatamente foi negada. Depois foi cogitada, para, por fim, “definitivamente” ter sido descartada (impressionante com o ser humano é indeciso, diferente de Deus). Mas o Senhor queria assim, e quem pode impedir seus desígnios? (Sl 33.11). Um simples sinal vermelho que nos impediu de atravessar de imediato a rua foi o suficiente para que mudássemos de idéia. E, desta vez, foi em definitivo. Motivados pelo Pr. Joel, entramos no táxi e partimos - minha sogra, minha esposa e eu - rumo à Tijuca.
Já perceberam como alguns cristãos, talvez a maioria, não têm por hábito ser muito falantes com estranhos? Pois é, este que vos escreve não é muito diferente. Claro que num momento singular como este - diante de um taxista - acabam ocorrendo aqueles célebres diálogos como: “Está fresco hoje não?; Vem chuva amanhã”; e por aí vai - isso não deixou de ocorrer logo que entramos no carro.
Quanto aos motoristas de táxi, já cheguei a uma conclusão bem antes de completar meus 30 anos atuais. Além de, em geral, serem péssimos motoristas e bagunçarem o trânsito da cidade, quando estamos dentro de seus veículos encontramos dois extremos de atitudes: os totalmente calados - do início ao fim do trajeto dão a impressão que ali não estão; e os totalmente falantes (talvez 8 em cada 10 no Rio de janeiro), que não conseguem deixar de interagir com seus passageiros. Para meu azar, ou por que não dizer sorte, o Hernani estava enquadrado nesta maioria, o que para mim era ruim, pois não estava disposto a conversas - ainda refletia sobre a mensagem da noite e sobre nossas reuniões em geral.

Deve ter causado estranheza para um motorista de táxi da Av. Rio Branco pegar um casal e uma senhora em plena quarta-feira, às 21:00h, sendo que ali seu público alvo são empresários e executivos devidamente engravatados. Senti que por boa parte do trajeto Hernani se segurou para não perguntar nossa procedência – talvez esperando que mais cedo ou mais tarde eu falasse (o que, claro, não iria ocorrer).
Como dizem os adolescentes - fiquei na minha - como faço na maioria das vezes nestas situações. Mas Hernani não se agüentava de curiosidade e acabou interrompendo meu “silêncio” perguntando descaradamente o que fazíamos no Centro naquela noite. Claro que a pergunta foi sutil, do tipo: Estão vindo de uma reunião? - ou algo semelhante. Ali meu coração bateu diferenciado. Percebi exatamente a vontade de Deus. Deus não queria que eu me calasse depois de receber as bênçãos naquele culto. Deus havia arquitetado tudo meticulosamente para que eu desse testemunho àquele homem. Lembrei de Moisés e Jeremias - que, ao serem chamados para uma tarefa, deram desculpas quanto à capacidade, mas na verdade talvez não quisessem realizá-la (Ex 4.10 e Jr 1.6). Às vezes agimos assim com Deus. Minha desculpa naquele dia era a “não-vontade” de falar alguma coisa.
Contudo, como ocorreu com esses grandes homens de Deus, não poderia negar um chamado de Deus. Mudei meu semblante, preparei minha voz e falei: “Não! Estávamos participando de um culto” - como que uma isca. Houve alguns instantes de silêncio no carro para algumas quadras depois vir “A pergunta”: Vocês são cristãos?
O que você, amado leitor, responderia? Eis aí uma das mais difíceis perguntas a serem respondidas nos dias atuais. Não porque seja difícil em sua obviedade, sabemos que a resposta é positiva, mas o que significa afirmarmos positivamente que somos cristãos?
Bem, na maioria dos casos, não sabemos nada da pessoa que nos faz tal pergunta. Era o caso meu com o Hernani. Logo procurei alguma identificação em seu carro - um santo, uma Nossa Senhora, um sinal maçônico, ou kardecista - mas foi em vão.
O que ocorre na maioria dos casos é que “pensamos no que a pessoa vai pensar” ao ouvir que somos cristãos. Dizer-se cristão hoje é, para a grande maioria, sinônimo de muitas coisas - e a quase todas pejorativas. Pode-se entender como alguém não praticante de seus dogmas (como a maioria deste país), ou quem sabe como um indivíduo extremado (i.e. sem bom senso e irracional em sua fé), ou alguém que busca em Cristo a solução para seus problemas materiais na vida (leia-se dinheiro). Isso sem falar que, caso a pessoa simplesmente imagine que você faz parte de uma liderança, logo o tache de inidôneo, corrupto e enganador de sinceros fiéis.
Estávamos a poucos metros da casa de minha sogra - a primeira parada do táxi -, e havia perdido todo o trajeto ficando calado. Naquele momento pensei: “Por que não aproveitei todo o percurso para explicar o que somos e em quem cremos para este homem?” É, de fato somos néscios - nas palavras de Jesus e do apóstolo Paulo.

Pedro exorta os cristãos a estarem sempre preparados a responder a esta pergunta:
... santifiquem Cristo como Senhor em seu coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês (1 Pedro 3.15)
Quantas vezes temos perdido a oportunidade de explicar a razão da nossa fé em nosso dia a dia? Quantas vezes Deus têm colocado pessoas como o Hernani na sua frente? E como temos reagido? Qual será o “taxista” que estará diante de você hoje? E o que você vai dizer a ele? Reflita sobre isso quando estas situações ocorrerem nesta semana.

Quer saber a resposta dada ao Hernani? Trataremos disso em nosso próximo post....

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

AUTORIDADE, INTELECTO, CORAÇÃO

Texto de Benjamin B. Warfield (1851-1921),
"o grande teólogo de Princeton"
Disponível em http://www.monergismo.com/
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A exata natureza da íntima relação entre religião e teologia nem sempre é percebida. Algumas vezes, a religião é produto direto da teologia; com maior freqüência, teologia é compreendida como sendo diretamente baseada na religião. A verdade é que apesar delas refletirem continuamente, uma sobre a outra, uma não é criação da outra. Elas são produtos paralelos do mesmo corpo de verdades, em diferentes esferas. Religião é o nome que nós damos à vida religiosa; teologia é o nome que damos ao corpo sistematizado do pensamento religioso. Uma não é produto da outra, mas ambas são produtos da verdade religiosa, operante nas duas esferas da vida e pensamento. Uma não pode existir sem a outra. Ninguém, exceto um homem religioso, pode ser um verdadeiro teólogo. Ninguém que é livre de toda concepção teológica pode viver de modo religioso. O homem é uma unidade e a verdade religiosa que o influencia deve afetá-lo em todas as suas atividades, ou em nenhuma delas. Mas é na origem da verdade religiosa que lhes é comum, que a religião e a teologia encontram suas mais profundas ligações. A verdade concernente a Deus, Sua natureza, Sua vontade, Seus propósitos, é o fato fundamental sobre o qual a religião e a teologia repousam. A verdade sobre Deus é, portanto, o que há de mais importante sobre a Terra. Sobre ela descansa nossa fé, nossa esperança e nosso amor. Através dela somos convertidos e santificados. Dela depende toda nossa religião, bem como toda nossa teologia.

Existem três meios ou canais pelos quais a verdade sobre Deus é trazida ao homem e feita sua possessão, para que possa afetar sua vida e assim fazê-lo religioso, ou para que possa ser sistematizado em seu pensamento resultando em teologia. Estes três meios ou canais de comunicação podem ser enumerados resumidamente como autoridade, o intelecto e o coração. Em qualquer religião sadia e em qualquer pensamento religioso verdadeiro, o qual é teologia, todos os três devem estar ligados e devem trabalhar harmoniosamente juntos como a causa imediata de nossa religião e nosso conhecimento. Dar mais importância a qualquer um deles, em detrimento dos outros, irá, então, frustrar nossa vida religiosa e nosso pensamento religioso, igualmente e fará ambos parciais e disformes. Não podemos ter uma vida religiosa simétrica, ou uma verdadeira teologia, a não ser através da perfeita interação de todas as três fontes de comunicação da verdade.
Entretanto, pode-se argumentar, plausivelmente, que os três se reduzem, no fim das contas, a um só; e que este único canal da verdade, por sua vez, pode, com quase igual plausibilidade, ser encontrado em cada um dos três. Deste modo, pode‑se concluir que nossa confiança no processo de nosso intelecto e na liberação de nossos sentimentos, baseia-se na fidelidade de Deus; assim, afinal, a autoridade é a única fonte do nosso conhecimento que concerne a Deus. Sabemos somente o que e quanto Deus nos revela.

Semelhantemente, pode ser argumentado que toda a máxima da autoridade é endereçada ao intelecto, que também é o único instrumento para apurar as implicações dos sentimentos; assim sendo, toda nossa fonte de conhecimento reduz‑se, pelo menos, a esta única fonte: o intelecto. Sabemos apenas aquilo que nosso intelecto compreende e formula para nós.
Uma vez mais, pode ser argumentado que não a razão lógica, mas os fatos da vida, nossos esforços supernos, nossos sentimentos de dependência e responsabilidade, suprem os pontos de contatos entre nós e Deus, sem os quais todos os trovões da autoridade e toda excursão do pensamento no reino das coisas divinas, poderiam ser tão incompreensíveis para nós e tão inoperante em nós, como uma conversa sobre cores seria para um homem cego.
Há verdade em cada uma destas considerações; mas elas não servem para mostrar que temos somente um meio de acesso às coisas divinas; antes enfatizam o fato que as três fontes estão tão entrelaçadas e interagindo, que uma não pode ser superestimada, em detrimento das outras, como único canal de conhecimento concernente a Deus e às coisas divinas.
A superestima do princípio da autoridade poderia nos lançar no tradicionalismo e por fim nos entregar, de pés e mãos amarradas, ao dogmatismo irresponsável de uma casta privilegiada. Este é o caminho que tem sido trilhado pela Igreja de Roma, e que resulta numa submissão desanimada à máxima, primeiro de uma igreja infalível, depois de urna classe infalível e por fim de uma pessoa infalível. Aqui, nem ao coração, nem ao intelecto, é permitido falar na presença da “soberana” autoridade; mas homens são dirigidos, obedientemente, a receber pela autoridade, mesmo o que contradiz suas mais primárias percepções (como na doutrina da transubstanciação), ou o que se aproveita dos seus mais íntimos sentimentos (como no uso das indulgências).

A superestima do princípio do intelecto poderia nos trazer ao racionalismo e nos deixar sem ajuda, de posse do mero entendimento lógico. Este caminho tem sido seguido pelos racionalistas, e nós temos, como resultado, alguma quantidade de sistemas a priori, construídos, unicamente, sobre o mérito da faculdade da razão. Aqui, nem à revelação, nem à consciência, é permitido promover um protesto contra o deprimente processo intelectual; mas, todas as coisas são restabelecidas a convite de preferências conhecidas anteriormente e requer-se dos homens que rejeitem, como falso, tudo que não tenha prova concludente à mão, mesmo que Deus tenha falado para asseverar sua verdade (como na doutrina da Trindade) ou o coração diz: “eu tenho experimentado” (como no pecado original).
A superestima do princípio do coração poderia nos lançar no misticismo e nos entregar ao engano da corrente de sentimento que flui para cima e para baixo em nossas almas. Este caminho tem sido experimentado pelos místicos, e nós temos como resultado o conflito de revelações antagônicas e a deificação das mais mórbidas imaginações humanas. Aqui, nem à verdade objetiva da palavra revelada, nem à lealdade ao pensamento racional, é permitido confrontar o sonho desvairado de uma alma que se imagina divina, ou a confusão de nossos mais fracos sentimentos, com a forte voz de Deus; e os homens são proibidos de elucidar suas fantasias rudes por justa razão (como na doutrina da absorção em Deus), ou crer no testemunho do próprio Deus sobre sua real natureza (como com referência a sua personalidade).
Portanto, autoridade quando imposta além do limite se tornando tradicionalismo, intelecto no racionalismo e o coração no misticismo, ilustra o perigo de uma edificação parcial.
Autoridade, intelecto e o coração são os três lados do triângulo da verdade. Como eles interagem é observado em qualquer estágio concreto de sua operação.Autoridade nas Escrituras, provê a substância que é recebida no intelecto e opera no coração. As revelações das Escrituras não acabam no intelecto. Elas não foram dadas meramente para iluminar a mente. Elas foram transmitidas através do intelecto para embelezar a vida. Elas acabam no coração. Elas não deixam o intelecto intocado, se afetam o coração. Elas não podem ser totalmente entendidas pelo intelecto, agindo sozinho. O homem natural não pode receber as coisas do Espírito de Deus. Elas devem primeiro converter a alma antes de serem completamente compreendidas pelo intelecto. Somente quando são vividas, são entendidas. Por isso a frase: "Creia para que possa entender" é totalmente válida. Nenhum homem pode compreender, intelectualmente, todo o significado das revelações da autoridade, salvo como resultado de experimentá‑las na sua vida. Por isso, para que as verdades concernentes às coisas divinas possam ser compreendidas de tal forma, que se unam com um verdadeiro conjunto de verdade divina, elas devem ser: primeiro, reveladas em uma palavra autoritativa; segundo, experimentadas num coração santo; e terceira, formuladas por um intelecto santificado. Somente quando estes três se unem, então, podemos ter uma verdadeira teologia. E, igualmente, para que estas mesmas verdades possam ser recebidas de forma a produzir em nós uma religião viva, elas devem ser: primeiro, reveladas em uma palavra autoritativa; segundo, apreendidas por um intelecto sadio; e terceiro, experimentadas num coração instruído. Somente nesta união, portanto, podemos ter uma religião vital.