sábado, 18 de outubro de 2008

E AGORA?

Texto de Joel Theodoro,
pastor no Rio de Janeiro
Imagens: http://www.algumapoesia.com.br

Todos os que andam mais perto de mim sabem que aprecio poesia. Aprecio o jogo das palavras mais que a rima, o subjetivo por detrás do óbvio mais que o que está às claras. A arte da poética é mais parecida com as artes plásticas sem, é claro, deixar por menos as outras expressões escritas, como romance, conto e crônica.

Há alguns excelentes poetas, os quais leio recorrentemente. Como se diz por aí, gosto de voltar à fonte e beber sempre deles. Falam profundamente de si e, sob certa forma paradigmática, da raça como um todo. Nós, os que somos faltos da pena poética, podemos nos deliciar com a arte graciosa dos que são coroados com essa benesse interior.

Dentre os muitos bons poetas, alguns são especialmente apreciados por mim. Falam muito ao coração e à mente; ajudam-nos a pensar e a compreender os tempos e as gentes. Drummond, Quintana, Andrade (o Mário), Pessoa (todos os “Pessoas”), e uma miríade deles. Hoje resolvi compartilhar com vocês a leitura de um dos poemas mais conhecidos do Drummond, o José, que, de tão popular, é apelidado pela primeira linha “E agora, José?” O poema que está transcrito abaixo está eletronicamente disponível em http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema022.htm. Aliás, sugiro que visitem o sítio http://www.memoriaviva.com.br. Vale mesmo a pena! Aproveito para parabenizar os autores desse sítio e desejar cada vez maior sucesso em sua empreitada cultural e literária.

José

E agora, José?A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou,e agora, José?e agora, você?você que é sem nome,que zomba dos outros,você que faz versos,que ama, protesta?e agora, José?

Está sem mulher,está sem discurso,está sem carinho,já não pode beber,já não pode fumar,cuspir já não pode,a noite esfriou,o dia não veio,o bonde não veio,o riso não veio,não veio a utopiae tudo acaboue tudo fugiue tudo mofou,e agora, José?

E agora, José?Sua doce palavra,seu instante de febre,sua gula e jejum,sua biblioteca,sua lavra de ouro,seu terno de vidro,sua incoerência,seu ódio – e agora?

Com a chave na mãoquer abrir a porta,não existe porta;quer morrer no mar,mas o mar secou;quer ir para Minas,Minas não há mais.José, e agora?

Se você gritasse,se você gemesse,se você tocassea valsa vienense,se você dormisse,se você cansasse,se você morresse...Mas você não morre,você é duro, José!

Sozinho no escuroqual bicho-do-mato,sem teogonia,sem parede nuapara se encostar,sem cavalo pretoque fuja a galope,você marcha, José!José, para onde?

Drummond já estava inserido no contexto do que hoje chamamos pós-modernidade. Mesmo assim, os seus anteriores, os da modernidade, já viviam de modo intenso os desafios calamitosos da fragmentação do interior humano. Não que eles nunca antes tenham existido, mas, a partir de certo tempo, eles se tornaram sistematicamente percebidos entre nós.

Como costumeiramente nos propomos, olhando para o poema acima, saltam aos olhos as perguntas mais essenciais da humanidade, aquelas que tocam na origem (de onde vim?), no estado atual (onde estou?) e na eternidade (para onde vou?). Não é de se estranhar que naturalmente não tenhamos respostas para essas perguntas, até porque elas transcendem à parte imaterial e imponderável de nosso ser. Delas, ficarei por enquanto apenas com a última sentença de Drummond no poema, quando ele encerra perguntando, após falar da realidade humana desse ser coletivo cognominado José: “para onde?”. Essa pergunta tem sido feita de maneira corrente a todos os seres humanos, mesmo aqueles que tenham se convencido a não mais fazê-la. E não a fazem... em aberto, mas continuam a fazê-la em secreto, apenas a si mesmos. E isso gera angústia, esquizofrenia e tudo mais.

O que temos para nós é uma incerteza absoluta, o que, de per si, seria um enorme contra-senso, não fosse algo natural. Por isso, a fim de responder o que não é mensurável ou constatável, precisamos de respostas à altura. E a fé ganha seu lugar. Fé, aliás, que jamais deixamos de ter, mesmo que depositada em espectros errados. A fé cristã é a única capaz de responder questões de ordem eterna de maneira coerente e lógica, mesmo que tratando o assunto pela ordem da fé e não da lógica empírico-materialista.

A fé que se tem para não ter fé é imensamente mais insana que aquela que temos para ter fé. Explico: não ter fé nas questões da do Deus cristão é muito mais assustadoramente transcendente que tê-la. Eis uma das razões pelas quais José não sabe para onde ir! Ele se esvaziou de Deus e se encheu de si mesmo; só que dentro de si não encontrava as respostas suficientes para satisfazer suas questões mais básicas. E esse José pode ser de qualquer fé que exista, sendo religiosa ou materialista, a não ser a fé cristã.

José pode ser qualquer um de nós, até que seja encontrado por Cristo e tenha em si a inoculação de seus princípios de razão espiritual. Sem eles, José continuará a ser José, sem saber – eternamente – para onde vai.

Cabe a nós, de maneira direta e objetiva, parar e pensar. Sim, pensar. Diferentemente do que se pensa, ser cristão não é ser acéfalo e ignoto. Ser cristão representa alcançar uma nova dimensão da razão, na qual o que antes não se imaginava passa a ser axiomático, por conhecimento e não por teorias e suposições. Lendo Chesterton*, se puder fazê-lo, terá uma excelente noção do que digo. E isso ficará para um próximo texto, se Deus quiser.

Em suma: quer ser conhecedor de sua condição futura? Pense. Mas faça-o como cristão. E, diante da pergunta de Drummond “para onde?”, você terá respostas na ponta da língua.

*Ortodoxia. G. K. Chesterton. Ed. Mundo Cristão.